
O boletim divulgado no fim da manhã desta terça-feira 29 informava que o  ex-vice-presidente apresentava um quadro de oclusão (obstrução)  intestinal e peritonite (inflamação do peritônio, uma membrana que  reveste a cavidade abdominal), em condições críticas. Raul Cutait,  médico integrante da equipe que cuidava de Alencar, havia dito que o  tratamento estava sendo feito à base de medicamento para aliviar as  dores. “Não tem mais condições de tratamento. Estamos dando suporte para  ele não sofrer”, afirmou.
Com roupa de hospital, deitado numa maca, envolto por aparelhos e sempre  com alguma personalidade do universo político ao lado. Essa é a  lembrança mais marcante dos últimos dias de vida do ex-vice-presidente  José Alencar. Seu delicado histórico médico sobressaiu sua trajetória  profissional. Não é para menos, desde 2000, lutava contra um câncer na  região abdominal pelo qual passou por inúmeras cirurgias e até  tratamento experimental nos Estados Unidos.
Mas quem foi o homem de negócios que da pequena Itamuri, em Minas Gerais, ocupou um dos cargos mais importantes da política?
José Alencar Gomes da Silva nasceu em 17 de outubro de 1931, num povoado  à margem do rio Glória, chamado Itamuri, município de Muriaé, Minas  Gerais, é o décimo primeiro descendente do casal Antonio Gomes da Silva e  Dolores Peres Gomes da Silva, de um total de 15 filhos. Cedo, aos sete  anos, já ensaiava os primeiros passos para os negócios atrás do balcão  da loja do pai. Aos 14 anos, decidiu que era hora de ir mais longe. E em  Muriaé, ainda no interior de Minas, foi trabalhar numa loja de tecidos.  Em 1948, Alencar mudou-se para Caratinga onde trabalhou com vendedor.
De vendedor a empresárioAos 18, com a ajuda do irmão mais velho Geraldo Gomes da Silva, depois  de ser emancipado pelo pai, abriu as portas de sua primeira empresa: “A  Queimadeira”, em Caratinga.
Ele chegou a morar na própria loja, “atrás da prateleira”, e comer de  marmita fazia parte do esforço para baixar os custos e tornar  competitiva a lojinha que vendia quase de tudo: tecidos, calçados,  chapéus, guarda-chuvas, sombrinhas, armarinhos, etc.
Pouco tempo depois, aos 20, casou-se com Mariza Gomes da Silva, com quem  teve duas filhas Maria da Graça e Patrícia e um filho Josué, que,  atualmente, controla as empresas do pai.
Com a morte do irmão Geraldo, Alencar é chamado para assumir os negócios  que o mais velho havia iniciado em Ubá. A empresa era a União dos  Cometas, de Geraldo Gomes & Cia. Com a reestruturação societária, em  homenagem ao principal fundador, adotou a razão social Geraldo Gomes da  Silva, Tecidos S.A.
Em 1963, José Alencar construiu a Cia. Industrial de Roupas União dos  Cometas, que mais tarde ganharia outro nome, Wembley Roupas S.A.
Em 1967, em parceria com o empresário e deputado Luiz de Paula Ferreira,  da área de beneficiamento de algodão – fundou, em Montes Claros, a  Companhia de Tecidos Norte de Minas, Coteminas, que hoje é uma das  maiores empresas do setor têxtil. Com 15 fábricas no Brasil, cinco nos  Estados Unidos, uma na Argentina e uma no México, emprega mais de 15 mil  trabalhadores.
De empresário a vice-presidenteJosé Alencar quis mais e em 1994 candidatou-se a deputado estadual,  ficando em terceiro lugar com 10,71% dos votos válidos. Esse era apenas o  começo de sua carreira política. Depois de sua estreia no meio  político, Alencar candidatou-se, em 1998, a senador, obtendo quase 3  milhões de votos. Foi durante esse mandato que defendeu o empresariado  brasileiro e fez duras críticas ao governo da época pela não realização  das reformas política e econômica.
Mas um cargo mais alto ainda estava por vir e em 2000, ao comemorar os  50 anos de sua carreira como empresário, numa celebração com a presença  de familiares, figuras políticas entre governadores, líderes de  partidos, prefeitos e ministros, seu discurso encantaria uma das mais  emblemáticas personalidades do cenário político brasileiro, o líder  sindical Luiz Inácio Lula da Silva. Na época, ainda não havia sido  confirmada sua participação, pela quarta vez, como candidato às eleições  para a presidência em 2002, mas saiu daquela festa já sabendo quem era  seu vice.
Lula não resistiu à figura lutadora, cativante e com espírito  nacionalista, que construiu um império, e agora estava no topo do mundo  empresarial. Um homem chave para dialogar com o setor empresarial ao  lado do governo petista.
Mesmo sendo um empresário milionário, Alencar sempre buscou manter sua  simplicidade, e aceitou a missão de ser vice do metalúrgico para junto  promoverem o desenvolvimento do Brasil, principalmente nas áreas  sociais, que mais marcaram o governo Lula.
Muito disputado por sua desenvoltura política, Alencar foi assediado por  três partidos: o PTB, PSD, mas acabou se desfiliando do PMDB para  ingressar no PL que depois mudou o nome para PRB.
Antes já havia sido presidente da Federação das Indústrias de Minas  Gerais e diretor da Associação Comercial de Minas, além da Câmara de  Dirigentes Lojista de Belo Horizonte. No governo Lula, já como  vice-presidente, em 2002, se tornou um dos interlocutores do governo com  o setor empresarial, como era esperado. Uma aliança partidária  histórica, das mais difíceis já realizadas, entre dois partidos com  ideologias tão diferentes.
Mas o senador Eduardo Suplicy tratou de citar José Alencar, num momento  de saudação da aliança, como um empresário de visão social, que emprega  15 mil pessoas. “Juntos, [PT e PL] podem fazer a justiça social que este  governo, o governo de Fernando Henrique Cardoso, não fez”, disse  Suplicy em junho daquele ano.
Alencar e o câncerApesar de ter descoberto o câncer em 2000, José Alencar resistiu aos  compromissos de vice-presidente. Em sua longa batalha contra o câncer,  submeteu-se a um tratamento experimental nos Estados Unidos, com  resultado inconclusivo.
No final de seu mandato como vice, em 2010, sua saúde estava delicada,  sendo necessário inclusive a interrupção do tratamento contra o câncer.  Desde então, o estado de saúde de Alencar começou a se agravar.
Em janeiro deste ano ele voltou a ser internado na Unidade de Tratamento  Intensivo do Hospital Sírio-Libanês com perfurações no intestino, mas  recebeu alta para ser homenageado com a comenda de Cidadão Paulistano no  dia 25, data do aniversário da cidade.
Ele recebeu a Medalha 25 de Janeiro entregue pela presidenta Dilma  Rousseff que, no discurso, destacou que participava da cerimônia como  Presidenta da República, mas sobretudo como cidadã brasileira “para  homenagear uma pessoa de tão profunda dimensão humana que todo o nosso  povo aprendeu a respeitar, admirar e amar sem limites [...]nosso eterno  vice-presidente da República, José Alencar”, afirmou. Nesse dia,  integrantes de vários partidos, tanto de oposição quanto da situação,  como o governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) e o  prefeito Gilberto Kassab (DEM) deixaram de lado as diferenças  ideológicas para apertar as mãos do ex-vice.
Dentre as inúmeras visitas que recebeu enquanto internado, Alencar  sempre fazia alguma declaração que repercutia na imprensa. Uma delas, em  dezembro de 2010, Alencar reclamou ao ministro da Fazenda, Guido  Mantega, sobre a alta dos juros. Algo recorrente em seu mandato.
Com o jornalista Ricardo Kotscho, em fevereiro deste ano, falou sobre a  aposentadoria do jogador Ronaldo. Ao lado do deputado federal Albano  Franco (PSDB-SE), chegou a dizer que estava “preparado para morrer”, mas  que pretende “viver até quando for digno”. Em entrevista a Jô Soares no  ano passado, José Alencar repetiu mais uma vez a frase que sempre  dizia: “Se Deus quiser me levar, ele não precisa do câncer para isso. E  se ele não quiser que eu vá, não há câncer que me leve”. O homem  resistiu bravamente, e todos os brasileiros foram testemunhas disso.
Matéria originalmente publicada no sítio da revista CartaCapital