Por Renata Giraldi, Agência Brasil
Com Lula na presidência era fácil fazer jornalismo, ou pelo menos o tipo de jornalismo mais tosco, declaratório: bastava acompanhar os seus pronunciamentos quase diários, ouvir os descontentes e dali saía obrigatoriamente a manchete do dia seguinte.
Dilma Rousseff enfrentou o maior desastre já ocorrido no país enquanto administrava o habitual assalto do PMDB a cargos e verbas em troca de apoio e, nos intervalos entre os paroxismos, está oferecendo indícios de um tipo de atuação em clave baixa, com simbologias sutis, porém nítidas, que uma mídia destreinada ainda não está sabendo identificar. Nem analisar.
Hora de reciclar
O adiamento da escolha dos caças da FAB não foi uma evasiva, foi uma decisão clara diante das pressões das centrais sindicais por um aumento do salário mínimo acima do previsto no orçamento da União. Para ela, o equilíbrio fiscal é prioritário, a gastança precisa ser contida, porque a alternativa é uma inflação desembestada. Para acalmar os militares, escolhe a Argentina como destino da primeira viagem ao exterior para acertar uma parceria na área nuclear.
Na terceira saída de Brasília (depois da visita à região serrana do Rio devastada pelas chuvas e da homenagem ao ex-vice José Alencar, no dia da sua fundação de São Paulo), a presidente foi a Porto Alegre para participar de uma discreta cerimônia para lembrar as vítimas do Holocausto: acendeu velas e fez um pequeno discurso contra ditaduras e em favor dos direitos humanos.
A grande mídia comeu mosca, mal registrou o evento, mas a mídia internacional soube perceber a mensagem subliminar embutida no gesto – um tranco no tiranete iraniano Mahmoud Ahmadinejad, campeão mundial em negar o Holocausto.
Os porteiros das redações e os formadores de opinião carecem de uma reciclagem urgente. Se ficarem à espera de grandes proclamações no velho estilo Lula vão morrer de tédio.
Por Alberto Dines, Observatório da Imprensa
A televisão continua sendo ainda a referência principal de notícias para 66% dos norte-americanos, índice que por sua vez significava 74% há três anos e 82% em 2002. Esta mesma pesquisa constatou que a maioria das pessoas busca informações sobre notícias mais pela internet do que pelos jornais impressos como sua principal fonte de referência. Este dado mostra a contínua curva de crescimento da internet e a queda constante da leitura de jornais: o índice de leitura era de 34% em 2007 e é de apenas 31% atualmente. Já a proporção do índice de ouvintes de notícias pelo rádio manteve-se relativamente estável. Este índice hoje é de 16% dos que procuram notícias nacionais e internacionais.
Pela primeira vez na série histórica desenvolvida pelo Pew – que é um instituto independente de pesquisa sobre a mídia –, em 2010 a internet superou a televisão como a principal fonte de informações nacionais e internacionais para as pessoas com menos de 30 anos de idade. Desde 2007, o índice de pessoas de 18 a 29 anos que citaram a internet como fonte principal de informações saltou de 34% para 65%, enquanto que no mesmo período o índice de jovens que citaram a televisão como fonte principal diminuiu de 68% para 52%.
Explosão das redes sociais
Os estudantes universitários nesta pesquisa afirmam buscar como fonte principal de informações a internet, com o índice de 51%, enquanto os que procuram a televisão se situam em 54%. Os de nível secundário se colocam de outra forma: 51% citam a internet como fonte principal e 63%, a televisão. O extrato com educação mais inicial faz um bom contraste com os melhores escolarizados: 29% apenas buscam na internet as fontes principais de informação e a maioria de 75% procura a televisão em primeiro lugar.
No caso da televisão brasileira – num levantamento de outra pesquisa publicada pela Folha de S.Paulo em 6/01/2010 –, o SBT perdeu quase 50% do seu público de 2000 até 2010. Ou seja, caiu de 10,4 pontos de média no país para apenas 5,9 pontos, que foi a média do ano passado. A Rede Record cresceu 31% na década passada, pulando de 5,5 pontos para 7,2 pontos como média em 2010. Enquanto a Rede Globo, por sua vez, caiu 8,5% na década. Registrou, no ano de 2000, média de 19,9 pontos e 18,2 pontos em 2010. Ou seja, no ambiente brasileiro também se pode verificar o crescimento das redes mais voltadas para um público menos escolarizado, enquanto os programas mais sofisticados vão sendo consumidos cada vez mais pelos canais pagos e pela internet.
Se é verdade que as pesquisas detectam este gradual crescimento da internet em relação à televisão como fonte primária de informações, no caso das redes sociais o aumento é explosivo: a contagem de tweets aumentou de 5.000 por dia em 2007, para 90.000.000 (noventa milhões) diários em 2010. Somente o Facebook passou de 30 milhões de usuários em 2007 para mais de 500 milhões atualmente.
"A luta pelas liberdades políticas"
Exatamente em função deste poder gigantesco que estas redes sociais foram adquirindo nos últimos anos é que o Departamento de Estado dos EUA, já sob a direção de Hillary Clinton, anunciou em janeiro de 2010 que o governo americano faria um grande investimento para o desenvolvimento de ferramentas desenhadas para reabrir o acesso à internet em países que restringem sua utilização. Este tipo de política teria como alvo impedir que Estados – como a República Popular da China – bloqueiem websites como o Google, YouTube ou o do New York Times.
Alguns programas foram criados com este objetivo, como o Freegate e o Haystack, mas acabaram não se tornando úteis para o objetivo dos norte-americanos, transformando-se, ao contrário, numa ferramenta a mais para impedir que as empresas dos EUA infiltrassem ideias e conceitos para combater o governo central na China. De fato, a questão das redes sociais tornou-se um problema de Estado cada vez mais importante para os interesses norte-americanos no mundo.
A capa da principal revista de relações internacionais dos EUA – Foreign Affairs – edição de janeiro/fevereiro de 2011, é dedicada ao tema sob o título "O poder político da mídia social". A tese principal do artigo é que os Estados Unidos perderam a guerra na tentativa de impedir outros países controlarem a rede social de mídia e que deveriam se voltar para "a luta pelas liberdades políticas nestas sociedades de forma geral", como se isso tivesse sido em algum momento um dos objetivos do governo americano através da história.
Por Pedro de Oliveira, Observatório da Imprensa
Como se não bastassem as mortes na região serrana do Rio de Janeiro e as brigas entre seus principais aliados – PMDB e PT –, a presidente Dilma Rousseff agora vai ter que lidar com os questionamentos da igreja católica. Empossado como prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, o arcebispo de Brasília, Dom João Braz de Avis, cobrou uma definição da presidente em entrevista publicada na Folha de S.Paulo (19/1/2011):
"Não temos uma ideia clara de quem é Dilma do ponto de vista religioso. Ela precisa explicar melhor as suas convicções religiosas para que o diálogo possa progredir. O que sabemos é que Dilma mostrou flexibilidade com relação a temas importantes para a igreja. Mas também sabemos que políticos fazem isso: durante a campanha, é uma coisa e, na prática, o caminho às vezes é outro. Eu espero que as posições dela se aproximem das posições da igreja. Para isso, precisamos conhecer melhor o que pensa a Dilma presidente em relação a certos temas. Não só o aborto, que teve destaque na disputa eleitoral, mas também quanto ao PNDH-3 [Plano Nacional de Direitos Humanos], que traz posições contundentíssimas para a igreja. Há aspectos muito bonitos com relação à questão social, mas temos aborto, homossexualismo, um monte de coisa que precisamos ver como vai ficar."
Enquanto o religioso espera para ver como as coisas vão ficar, os jornais poderiam esclarecer que questões como legalização do aborto, união de homossexuais e outros temas tão caros à igreja independem da exclusiva vontade da Presidência da República. Qualquer modificação na lei referente ao aborto ou à união legal de homossexuais, por exemplo, passa por aprovação do Congresso Nacional.
Deveriaa imprensa esclarecer também que as atitudes da presidente – ou de qualquer presidente deste país – dizem respeito apenas ao Estado, assim como as decisões da igreja (católica ou qualquer outra) dizem respeito apenas aos seus seguidores. Como disse o próprio cardeal em sua entrevista, "a separação entre igreja e Estado foi uma conquista e representa uma grande vantagem democrática em relação ao passado, quando havia a imposição da religião sobre o Estado".
O papel de cada um
A entrevista de Dom João de Braz Aviz acabou repercutindo no jornal concorrente. Em artigo publicado domingo (23/1) no Estado de S. Paulo, Débora Diniz discute o tema sob o título "Quem tem medo da laicidade?":
"De minha parte, não preciso conhecer a fé religiosa de nossa presidente para acreditar na democracia. Ainda diferente de d. João, estou certa de que, se o ex-presidente Lula se apresentou como homem de Estado, a atual presidente poderá ir além: melhor será se somente conhecermos a mulher de Estado. Se a ela for conveniente expor suas crenças privadas em matéria religiosa, que esse seja um fato indiferente à vida democrática. Mas, honestamente, preferiria que Dilma fosse não apenas a primeira mulher presidente, mas principalmente, aquela que atualizasse o dispositivo da laicidade do Estado brasileiro... Não há incompatibilidade moral entre a mulher de fé e a mulher de Estado. Só elegemos a mulher de Estado."
Enquanto a presidente da República procura organizar seu governo e enfrentar as catástrofes (naturais e políticas), melhor seria se o cardeal católico e todos os outros líderes religiosos do país se unissem em oração ou trabalhassem efetivamente para ajudar as vítimas das enchentes por esse Brasil afora. Cabe à imprensa esclarecer aos leitores que cada um tem seu papel na democracia, noticiando, comentando e, sempre que necessário, destacando que Estado e igreja são coisas diferentes.
Se cada um – Estado, igreja e imprensa – fizer a sua parte, a democracia só tem a ganhar.
Por Ligia Martins de Almeida, Observatório da Imprensa
De acordo com o site Hollywood Reporter os produtores Barry Josephson – da série Bones e de filmes como Juntos pelo acaso – e Michelle Krumm – de Garota Irresistível e Entre Segredos e Mentiras – adquiriram os direitos de levar a biografia do cyberativista às telonas. Ainda em desenvolvimento, o livro se chamará O homem mais perigoso do mundo e está sendo escrito pelo jornalista Andrew Fowler, que contará a vida de Assange de sua infância até a fundação do WikiLeaks, incluindo os sórdidos detalhes a respeito dos supostos estupros que o levaram para a cadeia.
Assange teria feito no último mês de maio um acordo no valor de US$ 1 milhão (R$ 1,67 milhões) para colaborar com o livro, e deverá inflar esse valor em uma quantia ainda não revelada com a adaptação de sua história para as telonas.
O livro deverá ser lançado ainda este ano na Australia, editado pela editora da universidade de Melbourne. Enquanto isso, não existem grandes detalhes a respeito de sua adaptação para o cinema, sem qualquer menção a possíveis roteiristas e atores.
Por João Brunelli Moreno, Tecnoblog
Confira também
A entrevista será publicada por diversos blogs, entre eles: Blog do Nassif, Viomundo, Nota de Rodapé, Maria Frô, Trezentos, Fazendo Média, FAlha de S Paulo, O Escrevinhador, Blog do Guaciara, Observatório do Direito à Comunicação, Blog da Dilma, Futepoca, Elaine Tavares, Blog do Mello, Altamiro Borges, Doutor Sujeira, Blog da Cidadania, Óleo do Diabo, Escreva Lola Escreva.
Julian, que enfrenta um processo na Suécia por crimes sexuais e atualmente vive sob monitoramento em uma mansão em Norfolk, na Inglaterra, concedeu a entrevista para internautas que enviaram perguntas a este blog.
Eu selecionei doze perguntas dentre as cerca de 350 que recebi – e não foi fácil. Acabei privilegiando perguntas muito repetidas, perguntas originais e aquelas que não querem calar. Infelizmente, nem todos foram contemplados. Todas as perguntas serão publicadas depois.
No final, os brasileiros não deram mole para o criador do WikiLeaks. Julian teve tempo de responder por escrito e aprofundar algumas questões.
O resultado é uma entrevista saborosa na qual ele explica por que trabalha com a grande mídia – sem deixar de criticá-la -, diz que gostaria de vir ao Brasil e sentencia: distribuir informação é distribuir poder.
Em tempo: se virasse filme de Hollywood, o editor do WikiLeaks diz que gostaria de ser interpretado por Will Smith.
A seguir, a entrevista.
Vários internautas - O WikiLeaks tem trabalhado com veículos da grande mídia – aqui no Brasil, Folha e Globo, vistos por muita gente como tendo uma linha política de direita. Mas além da concentração da comunicação, muitas vezes a grande mídia tem interesses próprios. Não é um contra-senso trabalhar com eles se o objetivo é democratizar a informação? Por que não trabalhar com blogs e mídias alternativas?
Por conta de restrições de recursos ainda não temos condições de avaliar o trabalho de milhares de indivíduos de uma vez. Em vez disso, trabalhamos com grupos de jornalistas ou de pesquisadores de direitos humanos que têm uma audiência significativa. Muitas vezes isso inclui veículos de mídia estabelecidos; mas também trabalhamos com alguns jornalistas individuais, veículos alternativos e organizações de ativistas, conforme a situação demanda e os recursos permitem.
Uma das funções primordiais da imprensa é obrigar os governos a prestar contas sobre o que fazem. No caso do Brasil, que tem um governo de esquerda, nós sentimos que era preciso um jornal de centro-direita para um melhor escrutínio dos governantes. Em outros países, usamos a equação inversa. O ideal seria podermos trabalhar com um veículo governista e um de oposição.
Marcelo Salles – Na sua opinião, o que é mais perigoso para a democracia: a manipulação de informações por governos ou a manipulação de informações por oligopólios de mídia?
A manipulação das informações pela mídia é mais perigosa, porque quando um governo as manipula em detrimento do público e a mídia é forte, essa manipulação não se segura por muito tempo. Quando a própria mídia se afasta do seu papel crítico, não somente os governos deixam de prestar contas como os interesses ou afiliações perniciosas da mídia e de seus donos permitem abusos por parte dos governos. O exemplo mais claro disso foi a Guerra do Iraque em 2003, alavancada pela grande mídia dos Estados Unidos.
Eduardo dos Anjos – Tenho acompanhado os vazamentos publicados pela sua ONG e até agora não encontrei nada que fosse relevante, me parece que é muito barulho por nada. Por que tanta gente ao mesmo tempo resolveu confiar em você? E por que devemos confiar em você?
O WikiLeaks tem uma história de quatro anos publicando documentos. Nesse período, até onde sabemos, nunca atestamos ser verdadeiro um documento falso. Além disso, nenhuma organização jamais nos acusou disso. Temos um histórico ilibado na distinção entre documentos verdadeiros e falsos, mas nós somos, é claro, apenas humanos e podemos um dia cometer um erro. No entanto até o momento temos o melhor histórico do mercado e queremos trabalhar duro para manter essa boa reputação.
Diferente de outras organizações de mídia que não têm padrões claros sobre o que vão aceitar e o que vão rejeitar, o WikiLeaks tem uma definição clara que permite às nossas fontes saber com segurança se vamos ou não publicar o seu material.
Aceitamos vazamentos de relevância diplomática, ética ou histórica, que sejam documentos oficiais classificados ou documentos suprimidos por alguma ordem judicial.
Vários internautas – Que tipo de mudança concreta pode acontecer como consequência do fenômeno Wikileaks nas práticas governamentais e empresariais? Pode haver uma mudança na relação de poder entre essas esferas e o público?
James Madison, que elaborou a Constituição americana, dizia que o conhecimento sempre irá governar sobre a ignorância. Então as pessoas que pretendem ser mestras de si mesmas têm de ter o poder que o conhecimento traz. Essa filosofia de Madison, que combina a esfera do conhecimento com a esfera da distribuição do poder, mostra as mudanças que acontecem quando o conhecimento é democratizado.
Os Estados e as megacorporações mantêm seu poder sobre o pensamento individual ao negar informação aos indivíduos. É esse vácuo de conhecimento que delineia quem são os mais poderosos dentro de um governo e quem são os mais poderosos dentro de uma corporação.
Assim, o livre fluxo de conhecimento de grupos poderosos para grupos ou indivíduos menos poderosos é também um fluxo de poder, e portanto uma força equalizadora e democratizante na sociedade.
Marcelo Träsel - Após o Cablegate, o Wikileaks ganhou muito poder. Declarações suas sobre futuros vazamentos já influenciaram a bolsa de valores e provavelmente influenciam a política dos países citados nesses alertas. Ao se tornar ele mesmo um poder, o Wikileaks não deveria criar mecanismos de auto-vigilância e auto-responsabilização frente à opinião pública mundial?
O WikiLeaks é uma das organizações globais mais responsáveis que existem.
Prestamos muito mais contas ao público do que governos nacionais, porque todo fruto do nosso trabalho é público. Somos uma organização essencialmente pública; não fazemos nada que não contribua para levar informação às pessoas.
O WikiLeaks é financiado pelo público, semana a semana, e assim eles “votam” com as suas carteiras.
Além disso, as fontes entregam documentos porque acreditam que nós vamos protegê-las e também vamos conseguir o maior impacto possível. Se em algum momento acharem que isso não é verdade, ou que estamos agindo de maneira antiética, as colaborações vão cessar.
O WikiLeaks é apoiado e defendido por milhares de pessoas generosas que oferecem voluntariamente o seu tempo, suas habilidades e seus recursos em nossa defesa. Dessa maneira elas também “votam” por nós todos os dias.
Daniel Ikenaga – Como você define o que deve ser um dado sigiloso?
Nós sempre ouvimos essa pergunta. Mas é melhor reformular da seguinte maneira: “quem deve ser obrigado por um Estado a esconder certo tipo de informação do resto da população?”
A resposta é clara: nem todo mundo no mundo e nem todas as pessoas em uma determinada posição. Assim, o seu médico deve ser responsável por manter a confidencialidade sobre seus dados na maioria das circunstâncias – mas não em todas.
Vários internautas – Em declarações ao Estado de São Paulo, você disse que pretendia usar o Brasil como uma das bases de atuação do WikiLeaks. Quais os planos futuros? Se o governo brasileiro te oferecesse asilo político, você aceitaria?
Eu ficaria, é claro, lisonjeado se o Brasil oferecesse ao meu pessoal e a mim asilo político. Nós temos grande apoio do público brasileiro. Com base nisso e na característica independente do Brasil em relação a outros países, decidimos expandir nossa presença no país. Infelizmente eu, no momento, estou sob prisão domiciliar no inverno frio de Norfolk, na Inglaterra, e não posso me mudar para o belo e quente Brasil.
Vários internautas – Você teme pela sua vida? Há algum mecanismo de proteção especial para você? Caso venha a ser assassinado, o que vai acontecer com o WikiLeaks?
Nós estamos determinados a continuar a despeito das muitas ameaças que sofremos. Acreditamos profundamente na nossa missão e não nos intimidamos nem vamos nos intimidar pelas forças que estão contra nós.
Minha maior proteção é a ineficácia das ações contra mim. Por exemplo, quando eu estava recentemente na prisão por cerca de dez dias, as publicações de documentos continuaram.
Além disso, nós também distribuímos cópias do material que ainda não foi publicado por todo o mundo, então não é possível impedir as futuras publicações do WikiLeaks atacando o nosso pessoal.
Helena Vieira - Na sua opinião, qual a principal revelação do Cablegate? A sua visão de mundo, suas opiniões sobre nossa atual realidade mudou com as informações a que você teve acesso?
O Cablegate cobre quase todos os maiores acontecimentos, públicos e privados, de todos os países do mundo – então há muitas revelações importantíssimas, dependendo de onde você vive. A maioria dessas revelações ainda está por vir.
Mas, se eu tiver que escolher um só telegrama, entre os poucos que eu li até agora – tendo em mente que são 250 mil – seria aquele que pede aos diplomatas americanos obter senhas, DNAs, números de cartões de crédito e números dos vôos de funcionários de diversas organizações – entre elas a ONU.
Esse telegrama mostra uma ordem da CIA e da Agência de Segurança Nacional aos diplomatas americanos, revelando uma zona sombria no vasto aparato secreto de obtenção de inteligência pelos EUA.
Tarcísio Mender e Maiko Rafael Spiess - Apesar de o WikiLeaks ter abalado as relações internacionais, o que acha da Time ter eleito Mark Zuckerberg o homem do ano? Não seria um paradoxo, você ser o “criminoso do ano”, enquanto Mark Zuckerberg é aplaudido e laureado?
A revista Time pode, claro, dar esse título a quem ela quiser. Mas para mim foi mais importante o fato de que o público votou em mim numa proporção vinte vezes maior do que no candidato escolhido pelo editor da Time. Eu ganhei o voto das pessoas, e não o voto das empresas de mídia multinacionais. Isso me parece correto.
Também gostei do que disse (o programa humorístico da TV americana) Saturday Night Live sobre a situação: “Eu te dou informações privadas sobre corporações de graça e sou um vilão. Mark Zuckerberg dá as suas informações privadas para corporações por dinheiro – e ele é o ‘Homem do Ano’.”
Nos bastidores, claro, as coisas foram mais interessantes, com a facção pró- Assange dentro da revista Time sendo apaziguada por uma capa bastante impressionante na edição de 13 de dezembro, o que abriu o caminho para a escolha conservadora de Zuckerberg algumas semanas depois.
Vinícius Juberte – Você se considera um homem de esquerda?
Eu vejo que há pessoas boas nos dois lados da política e definitivamente há pessoas más nos dois lados. Eu costumo procurar as pessoas boas e trabalhar por uma causa comum.
Agora, independente da tendência política, vejo que os políticos que deveriam controlar as agências de segurança e serviços secretos acabam, depois de eleitos, sendo gradualmente capturados e se tornando obedientes a eles.
Enquanto houver desequilíbrio de poder entre as pessoas e os governantes, nós estaremos do lado das pessoas.
Isso é geralmente associado com a retórica da esquerda, o que dá margem à visão de que somos uma organização exclusivamente de esquerda. Não é correto. Somos uma organização exclusivamente pela verdade e justiça – e isso se encontra em muitos lugares e tendências.
Ariely Barata – Hollywood divulgou que fará um filme sobre sua trajetória. Qual sua opinião sobre isso?
Hollywood pode produzir muitos filmes sobre o WikiLeaks, já que quase uma dúzia de livros está para ser publicada. Eu não estou envolvido em nenhuma produção de filme no momento.
Mas se nós vendermos os direitos de produção, eu vou exigir que meu papel seja feito pelo Will Smith. O nosso porta-voz, Kristinn Hrafnsson, seria interpretado por Samuel L Jackson, e a minha bela assistente por Halle Berry. E o filme poderia se chamar “WikiLeaks Filme Noire”.
Por Natalia Viana, Carta Capital WikiLeaks
A liminar, datada de 14 de dezembro de 2010, é parte da estratégia do governo americano para obter informações antes de decidir se abre ou não um processo contra Assange pelo vazamento dos mais de 250 mil documentos diplomáticos, até então secretos, ao entender que as informações do Twitter poderiam ser relevantes e importantes para a investigação em andamento.
A ética do Twitter ficou explícita na vontade de informar os usuários afetados sobre a liminar. A empresa, segundo declaração de Julian Assange, pediu que fossem derrubadas as restrições quanto à divulgação da ordem judicial, que até então corria em sigilo e incriminaria quem desse notícia de sua existência ou da investigação em curso.
Em seu site (http://rop.gonggri.jp/), o hacker Gonggrijp escreveu que o Twitter “parece ter como política fazer a coisa certa, ou seja, fazer a coisa certa de informar seus usuários quando uma dessas liminares chega até eles. Para aqueles que acreditam que o Twitter ignorou uma ordem judicial para me informar do caso, eu recebi um PDF na quarta-feira 5 de janeiro com uma ordem para que a liminar fosse feita pública. Assim eles puderam me informar, o que possivelmente resulta de comunicações entre o Twitter e o Departamento de Justiça. Só Deus sabe quantos outros lugares receberam liminares semelhantes e simplesmente entregaram sigilosamente todas as informações que tinham sobre mim”.
Bem longe dos tribunais, o Twitter também tem causado controvérsias no futebol inglês. Blackburn Rovers e Queens Park Rangers (QPR) disputavam uma partida da Copa da Inglaterra no sábado 8 quando o atacante escocês Jamie Mackie, do QPR, e o zagueiro Gaël Givet, do Blackburn, disputaram uma bola com força excessiva e caíram no gramado. Givet recuperou-se, mas Mackie tentou levantar-se e não conseguiu. O médico do clube descobriu que Mackie havia fraturado a perna em dois lugares. Depois do jogo, Mackie usou o Twitter para divulgar que um atacante do Blackburn, o senegalês El-Hadji Diouf, tinha implicado que ele fazia corpo mole ao não conseguir levantar-se. “Muito desapontado por Diouf ficar no meu ouvido, enquanto eu estava caído com uma perna quebrada dizendo ‘f…-se você e f…-se sua perna’”. A federação inglesa agora investiga o incidente e pode até punir Diouf por suas palavras. Nada disso seria possível antes do Twitter.
Felipe Marra Mendonça, CartaCapital
Entre as estatais, o grande destaque é a Petrobras, que, sozinha, investiu o equivalente a 2,03% do PIB nos 12 meses até outubro. É quase 70% a mais que o 1,21% do PIB investido pela União nos 12 meses até novembro de 2010. Uma pequena parte dos investimentos da Petrobras é feita fora do país, em torno de 5% do total.
Nesse quadro, a União e as estatais federais responderam por 17,9% do total investido na ampliação da capacidade produtiva no ano passado, considerando que a formação bruta de capital fixo (FBCF, medida das contas nacionais do que se investe na construção civil e em máquinas e equipamentos) ficou em 19% do PIB em 2010 e a Petrobras faz 95% das inversões dentro do país. Em 2009, a fatia federal no investimento total havia sido um pouco maior – 18,7% de uma formação bruta de capital fixo de 16,9% do PIB.
Isso ocorreu porque, com a crise global, as inversões públicas se ampliaram no momento em que o setor privado se retraiu. Os números de 2009 e 2010 mostram que houve mudança significativa da participação da União e das estatais no investimento total em relação aos anos anteriores. Em 2003, ano de forte ajuste fiscal, a fatia foi de 10%. Mesmo em 2008, quando o investimento público já estava em recuperação, não chegou a 13,5%.
As inversões do governo federal ganham força a partir da segunda metade da década, depois de alguma recuperação esboçada em 2004 e 2005. O professor Francisco Luiz Lopreato, da Unicamp, diz que houve uma mudança de orientação na política econômica a partir de 2006, abrindo espaço para uma elevação mais consistente do investimento público.
Entre outras medidas, ele lembra que o governo lançou o PAC e fortaleceu as estatais e os bancos públicos, como o BNDES, além de ter reduzido o superávit primário (a economia para pagar os juros da dívida) a partir de 2009, para combater os efeitos da crise global. Com isso, os investimentos federais atingiram um nível que já faz diferença para a atividade econômica, acredita Lopreato. “A visão se tornou mais desenvolvimentista a partir de 2006, com a saída de Antonio Palocci e a entrada de Guido Mantega na Fazenda.”
Para o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, houve uma percepção de que os investimentos precisavam se intensificar “desde 2007, com o PAC.” O problema, na visão de Vale, é que o “programa ainda não funciona efetivamente, com muita concentração em projetos da Petrobras e da Eletrobras “.
Ele reconhece a “tentativa de aceleração dos investimentos” a partir da crise global, mas observa que, mesmo com a alta recente, o volume de investimento público no Brasil é pequeno em relação ao dos outros emergentes, “onde, em geral, fica acima de 7% do PIB”. Se forem incluídas as inversões de Estados e municípios, o volume investido pelo setor público brasileiro em 2010 ficou em 5,1% do PIB, segundo números do Ministério da Fazenda.
Vale também vê com preocupação o fato de o volume de investimentos ser muito concentrado na Petrobras, que responde por quase 60% da soma de gasto da União e das estatais federais em 2010.
A análise das inversões da Petrobras ao longo da década mostra um salto impressionante a partir de 2002, quando a empresa passou a investir mais que a União. Em 2009, o volume investido pela companhia, equivalente a 1,97% do PIB, foi quase duas vezes superior ao 1,01% do investimento do governo federal. Para os próximos anos, a expectativa é que a empresa continue nessa trajetória, por conta da exploração do petróleo na camada pré-sal.
O economista Cláudio Fritschak, presidente da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios, diz que houve um esforço nos últimos anos para aumentar o investimento público, mas também considera muito baixo o volume destinado à infraestrutura. Ele estima que, entre 2008 e 2010, o país investiu no setor, somando recursos públicos e privados, uma média anual de 2,42% do PIB, abaixo dos 3% do PIB que seriam necessários para evitar a degradação do estoque de capital já existente.
Para Frishtak, enfrentar a questão fiscal é decisivo para elevar os recursos para a infraestrutura, por dois motivos. O primeiro é controlar o ritmo de alta dos gastos correntes (pessoal, aposentadorias, custeio da máquina) para abrir espaço para o investimento público crescer mais. O outro é permitir uma redução dos juros que facilite a criação de um mercado de títulos privados de longo prazo, importante para desenvolver alternativas para financiar o investimento por períodos dilatados.
Um dos principais desafios do governo neste ano será manter em alta a trajetória do investimento num quadro de ajuste fiscal. Se quiser buscar a todo custo a meta de superávit primário de 3,1% do PIB, será necessário sacrificar investimentos, dizem especialistas em contas públicas como Mansueto Almeida, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Para Vale, como os investimentos são prioridade para a presidente Dilma Rousseff, não deverá haver corte das inversões, que tenderiam a continuar a crescer acima da variação do PIB. Uma das consequências é que a meta fiscal não deverá ser cumprida, acredita ele.
Por Sergio Lamucci – Valor Econômico
Ivana Bentes é graduada em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde fez o mestrado e o doutorado em Comunicação e, atualmente, é professora e Diretora da Escola de Comunicação da UFRJ.
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A questão do anonimato é um conceito muito importante
É uma ciberguerra o que o WikiLeaks provocou com suas revelações?
Ivana Bentes – Sem dúvida. Mas não seria a primeira porque a guerra da informação já existe há muito tempo, inclusive como dado de estratégia e de poder. No entanto, com essa dimensão e repercussão, sem dúvida nós podemos qualificar como um primeiro momento de uma ciberguerra no sentido global. Na verdade, todas as informações que estão reveladas e veiculadas colocam em questão a própria ideia de uma certa geopolítica global. Neste sentido, em relação à amplitude da própria ideia de governança global, o tipo de prática de explicitação de documentos vai totalmente contra a ideia de teoria do segredo, do segredo de estado, empresarial e da conspiração de poucos contra muitos.
Por isso, o WikiLeaks é um fenômeno, uma experiência muito paradigmática de um outro modelo de relação de todo mundo com a informação. Acredito que coloca muitos conceitos e muitas relações em xeque. Podemos falar de infoguerra ou guerra da informação (um conceito que já existia) a partir do uso do ciberespaço e da ideia do anonimato, em função de uma possibilidade de proliferação infinita destas informações nos provedores e usuários do mundo inteiro. Sem dúvida, nesta escala podemos dizer que é a primeira infoguerra global.
Como você analisa a forma de "trabalho" do WikiLeaks?
I.B. – É um modelo da nova relação que estamos tendo com a informação. Colocamos uma série de conceitos em questão. O primeiro conceito é em relação a essa ideia do direito ao anonimato. Ou seja, no momento em que as informações dizem respeito a decisões de vida e morte de populações, elas mobilizam e interferem na geopolítica global, na vida de países, de cada um de nós, de comunidades. A questão do direito à informação é maior do que qualquer outro tipo de segredo.
Trabalhar com a ideia da disponibilização de forma anônima de documentos que estavam fora do círculo da informação e eram considerados secretos e estratégicos é um conceito muito importante. Como apenas o governamental ou o setor empresarial tinha acesso a esses dados, quando a informação é propagada se cria um conceito forte da ideia de que o público comum está acima das estratégias, inclusive de segurança dos países. Assim, trabalhar com a questão do anonimato é ainda um conceito muito importante de quem analisa as questões ligadas às mídias digitais.
Não existe informação que não seja passível de ser publicizada
O anonimato na web
I.B. – A questão do anonimato não significa você fazer qualquer coisa, sem se importar com o motivo pelo qual está fazendo aquilo. O anonimato utiliza essa questão da preservação da fonte, inclusive de quem posta e de onde vieram esses documentos, para podermos tornar público informações que não sendo desta forma não chegariam a todo mundo. Aliás, essa prática não é nova: a imprensa tradicional utilizava a preservação da fonte quando a informação que vai ser veiculada é mais importante do que a própria credibilidade da fonte.
Portanto, esses documentos em si, as informações que eles trazem em termos de democracia, em termos de violação dos direitos humanos, em termos de governanças e operações grandes sobre a saúde global são mais importantes do que a forma tradicional do jornalismo indicar o que é off e o que não é off. O primeiro conceito que o WikiLeaks quebra é a ideia de que não existe mais off. Não existe informação secreta, não existe a teoria do segredo, isso é decisivo para se pensar um novo modelo de democracia baseado na transparência. Parece-me que essa é a questão de fundo: o WikiLeaks traz, de uma forma muito forte, que já não existe informação que não seja passível de ser publicizada e isso é muito radical. Precisamos de um entendimento tanto do senso comum quanto do conceito de democracia, pois isso é uma radicalização da democracia, não existe segredo de Estado; não existe segredo que não possa ser revelado em prol de um conhecimento da própria sociedade.
Os jornalistas tradicionais não transgrediram as regras dos governos
Quem é dono da informação?
I.B. – A questão do anonimato me parece ser uma questão importante, decisiva. A questão do site que pode ser espelhado, pode ser multiplicado, que tem parceiros e centenas de voluntários no mundo inteiro. Quem produz a informação? Quem divulga? Quem faz a informação circular? Não é uma corporação, não é o New York Times, não é a Rede Globo de Televisão. É uma multidão que está produzindo e difundindo essa informação. Esse seria um outro ponto: a questão da produção colaborativa, descentralizada, global da informação fora de uma corporação jornalística, fora de uma agência de notícias, fora da produção da mídia estatal ou privada. Esse é um momento muito importante. As informações mais cruciais sobre a guerra do Afeganistão, sobre o Iraque, sobre relações de direitos humanos, sobre conspirações contra democracias, golpes de Estado estão sendo veiculados de uma forma colaborativa, descentralizada e anônima. Esse é o pilar de uma nova forma muito radical de nós pensarmos a nossa relação com o campo da informação e comunicação pós-mídias sociais.
Não se pode barrar essa informação, não há como barrar a circulação da informação mesmo que ela seja considerada estratégica pelos governos. Esses pilares iniciais que colocam um pouco de ponta cabeça esse conceito da livre circulação da informação, que já existia, mas não era praticado, e talvez as ferramentas para que ele pudesse ser feito de forma global estão surgindo agora pós-internet. Temos uma ferramenta que consegue sustentar essa prática radical de livre circulação da informação, mesmo que acarrete altos custos para quem está envolvido nela. Neste sentido, basta ver a retaliação que Julian Assange vem sofrendo. Ele pode ser considerado o primeiro preso político dessa nova era da guerra da informação, pois foi perseguido, procurado e preso. Teve seu site boicotado por corporações, teve as formas de captação de recursos através de doação pelo PayPal também interrompidas, assim como por empresas como a MasterCard e Visa, ou seja, é uma reação muito violenta por parte de governos e corporações diante de uma experiência de comunicação também muito radical.
O que o WikiLeaks pode representar para as ciências da comunicação?
I.B. – É um modelo do jornalismo baseado na declaração, em uma determinada fonte, em um especialista, também é colocado em xeque. O wikiLeaks não é um site jornalístico, é um site de rastreamento e divulgação de informações de fontes primárias, uma coisa que o jornalismo tradicional nunca fez, que é disponibilizar a fonte primária. O jornalismo tradicional sempre trabalhou com a ideia da mediação. O que o jornal só divulga o que decide publicar, além de editar o material a ser propagado. Só muito recentemente que passamos a disponibilizar entrevistas de forma integral. Nessas últimas eleições, vimos essas edições serem feitas quando um determinado político dava uma declaração e a frase era utilizada contra ele. Vimos isso na Veja e no jornal O Globo, por exemplo.
Claro que no caso do WikiLeaks esses documentos brutos precisam ser analisados, interpretados. Algumas informações não podem ser analisadas por qualquer um. Elas precisam da mediação, da análise, da interpretação. O que estamos discutindo aqui é muito menos o conteúdo, mas sim o processo. Um processo novo de disponibilização de documentos, de informações, de imagens, estatísticas, que eram restritas, que eram consideradas segredo de Estado, segredo de corporação, segredo jornalístico. A primeira questão que me pareceu muito forte quando o WikiLeaks começou a abrir sua caixa de revelações é exatamente essa estratégia da distribuição das informações. Mas por que os jornalistas não fizeram isso antes? Porque os jornalistas tradicionais, inclusive podendo preservar fontes, não transgrediram as regras dos governos. Foi por isso que o Assange foi considerado inimigo público número um em alguns países e perseguido dessa maneira.
A originalidade é a forma com que a informação é compartilhada
Vazar ou não vazar? Eis a questão.
I.B. – Então, por que o jornalismo tradicional não deu esse passo em frente? Jornalistas já tiveram acesso a documentos secretos de vinculação restrita, mas por que não vazaram? Por que não publicaram? Na verdade, sempre vimos isso acontecer de forma muito parcial. Por exemplo, na campanha da Dilma quando trouxeram a tona os dados dos serviços secretos de informação da época da ditadura, sua ficha policial... Quando interessa à corporação divulgar determinadas informações sigilosas, elas aparecem nos jornais preservando as fontes, muitas vezes com uso muito parcial, muito de interesse explícito e nunca de uma forma mais ampla no interesse público.
Claro que é decisivo termos acesso a esse tipo de informação porque ela mostra a forma de pensar, seja do Império, do governo ou de determinadas corporações. É importante entendermos como funciona exatamente o pensamento destes governos, destas corporações, destes veículos de comunicação, é uma espécie de explicitação do pensamento que rege essas instituições, isso é importantíssimo. A publicação da informação, da contrainformação, cria uma nova camada de transparência em relação ao compartilhamento do conhecimento das informações sobre a sociedade como um todo. Precisamos conhecer a visão de quem está operando nos governos, nos exércitos, nas empresas. A questão da liberdade da circulação da informação é decisiva para que possamos equilibrar os poderes em uma democracia, saber o que meu inimigo pensa sobre mim para atuar.
Podemos dizer que o WikiLeaks levantou a bandeira da liberdade de expressão?
I.B. – Não, essa bandeira existe já há muito tempo. Sem dúvidas ele radicaliza essa batalha em torno da liberdade de expressão, de acesso pleno a documentos sigilosos dos governos, da diplomacia norte-americana sobre o Brasil, sobre os processos no mundo inteiro. A originalidade é a forma com que a informação é compartilhada e feita por uma multidão de agentes no mundo inteiro e não por especialistas. A forma me parece original, mas a luta é uma luta antiga.
Há sonegação de dados importantes
Até a ocupação do Morro do Alemão foi citada em documentos revelados pelo WikiLeaks. O que isso representa?
I.B. – O que eu tive acesso, não sei se foi pelo WikiLeaks ou instituições ligadas à questão dos direitos humanos, era exatamente toda uma pergunta pelos dados, quantas pessoas morreram, quem morreu, policiais, traficantes, pessoas inocentes. Afinal, para onde foram os traficantes todos, se eles foram mortos ao longo das matas que cercam os bairros? Onde estão os corpos? Sem dúvida, todo mundo que acompanhou a operação fez esse tipo de pergunta e a imprensa foi muito econômica em relação às forças todas que estavam envolvidas na ocupação. Por mais legítimas que sejam as forças, a imprensa ocultou algumas questões, como, por exemplo, a violação das casas. Também soubemos, de forma espaçada, que aconteceram roubos por parte dos policiais. E onde estão esses dados? Quais são os dados confiáveis?
Em uma operação como essa, não basta termos acesso às imagens midiáticas selecionadas ou imagens que interessam tanto ao governo, quanto as mídias e às forças que estão de forma muito bem intencionada empenhadas no processo de ocupação do território. A operação tinha propostas e questões muito importantes. Inclusive esse deslocamento do massacre de bandidos ou de inocentes em nome do combate ao tráfico de drogas, houve uma mudança desta mentalidade. Claramente, vimos uma mudança de pensamento em relação à forma de se tratar a questão das favelas no Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, arbitrariedades de relações foram cometidas, mas onde estão esses dados? Eles não vêm a público em nome de um discurso de sucesso de vitória da operação? Há sonegação de dados importantes e seria importante termos acesso para inclusive combater, sofisticar, sair do discurso do massacre, da repressão, para criar de novo estratégias em questão da segurança pública. É preciso deixar de lado as velhas práticas, da violação do estado de exceção que vigora ainda nas favelas do Brasil inteiro, e no Rio de Janeiro em especial.
Imagina se a Voz da Comunidade pudesse ser multiplicada
Aliás, o movimento feito através da internet por moradores das favelas ocupadas chamou bastante atenção. Como a senhora vê esse tipo de apropriação da web?
I.B. – Teve um momento muito bacana. Existe uma possibilidade muito grande do uso da informação que é dada pelo próprio morador da favela, da comunidade ou do território de guerra. Aquilo é decisivo porque passa pelo bloqueio da censura, passa o bloqueio do sigilo, da ideia da informação privilegiada ou que não pode vazar para a sociedade. Vimos isso em vários momentos das guerras contemporâneas, nas guerras em torno dessa questão da apropriação tecnológica e da rede.
No caso do Rio de Janeiro, ainda foi muito incipiente a experiência da Voz da Comunidade. Eram meninos de 10 a 17 anos, em casa, mandando algumas informações via Twitter sobre o que estava acontecendo durante a ocupação do morro pela polícia. Era muito mais uma experiência quase que subjetiva do que estava acontecendo. Eles diziam que estavam com medo, que acabava a luz, que escutavam tiros. Eles me comoveram muito mais pela transmissão de uma experiência que muitas vezes nós não conseguimos lidar. Comoveu-me por se tratar de meninos, de crianças, enfim, lidando com essa potencialidade de compartilhar esse tipo de experiência. Eles estavam ali reféns de uma ocupação legítima, mas sofrendo todo um impacto subjetivo, violento, radical em uma zona de guerra. No caso do Complexo do Alemão, para mim foi muito mais isso. Porque, na verdade, o que os meninos estavam transmitindo, muitas vezes, eram informações que eles estavam vendo da TV ou da janela de casa, o que é muito restrito. E depois, quando começaram a andar, a sair de casa, davam pequenas informações. Foi, portanto, muito mais um gesto simbólico da potencialidade que se tem efetivamente com as redes sociais. Imagina se não fossem cinco, mas se cada casa e barraco na favela tivesse hoje acesso a uma banda de internet, wireless, ou tendo uma lan house segura e pudessem estar, de forma multiplicada, compartilhando essas experiências muito radicais, subjetivas, singulares que não passaram na mídia.
Essas experiências apontam o entendimento novo de sociedade
O novo governo comentou sobre a intenção de distribuir iPads para os estudantes. Como você vê esse tipo de projeto no Brasil?
I.B. – Acho extraordinário. O ministro das Comunicações, que é o Paulo Bernardo, representa uma virada grande no Ministério das Comunicações. Sai Hélio Costa, que barrou muitas discussões, como a mudança da lei geral das comunicações, e entra Bernardo, que está no Twitter. É um prazer você acordar e poder fazer uma pergunta ao Ministro das Comunicações, que está no Twitter e que responde e dialoga e que está em uma relação proximidade com quem apostou nesse governo. Até mesmo com quem não apostou, mas quer contrapor, criticar, cobrar. Então, é uma mudança enorme da relação da própria ideia de governança, da cogestão do ministério.
O Bernardo anunciou a questão dos laptops nas escolas para os estudantes e isso me parece ser decisivo, pois são esses meninos que vão fazer a revolução da informação no Brasil e já estão fazendo. Foram garotos de 10 a 17 anos que compartilharam a experiência da ocupação do Alemão com o mundo todo, foram entrevistados pela CNN, aparecem no Fantástico, foram incorporados pela grande mídia como fonte de informação. É, portanto, um momento importante de passagem, da universalização das ferramentas. Um laptop dentro da escola que o garoto possa levar para casa faz toda diferença. Já não existe mais fronteira entre quem forma, pois a sociedade toda forma.
A experiência uruguaia
I.B. – Eu vi em Montevidéu aquele computador de cem dólares. Coisa mais linda, as crianças na calçada com computador de plástico, verde, bonito, todo amigável, usando fora da escola. Na verdade, isso é instrumentalizar para o mundo WikiLeaks, para essa radicalização de quem produz a informação, de quem tem uma experiência de compartilhar essa informação com o mundo todo. Eu acho decisivo, desde que não seja de uso exclusivo escolar, tem que ser para vida, tem que distribuir computador com internet de graça para cada brasileiro. Neste momento, é decisivo para quem está na escola. Acho maravilhoso isso, uma política pública importante.
Outra questão que o Bernardo anunciou é formar, dentro do Ministério, uma Secretaria da Inclusão Digital, que acredito que possa evoluir para uma secretaria das políticas públicas no campo da cultura digital. Não é só uma questão da inclusão digital, de mediar, não é só dar o computador: é a cultura WikiLeaks, é a cultura digital, a cultura do compartilhamento, da transparência, da governança, da cogestão. É muito bacana, nesse sentido, o Brasil estar antenado, pois é muito ávido pela comunicação, pelo compartilhamento. Essa atitude está muito próxima do comportamento brasileiro em compartilhar cotidianamente suas experiências. Está aí o sucesso das redes sociais no Brasil. São experiências que apontam para essa possibilidade do uso dessas ferramentas para a constituição de políticas públicas novas, do entendimento novo de sociedade.
Temos que não só esperar por mudanças, mas radicalizar essas mudanças
Cultura digital na favela
I.B. – Essas palavras que parecem abstratas, muito longínquas, para um futuro muito distante. Começam aí, quando se entrega um computador com internet para o menino da favela. Neste ponto, começa uma mudança efetivamente radical. A Dilma falou muito da questão do plano de banda larga, o ministro Bernardo já chamou as operadoras de telefonia, os parceiros públicos e privados para colocar essa disputa, que não é uma disputa de política pública, mas mercado econômico, que vale muito e que é importante que esteja abaixo de uma política pública e não de um interesse comercial.
Eu fico feliz que, neste primeiro momento, estamos tendo sinais de que o governo brasileiro entendeu que essas políticas de inclusão digital são decisivas para pensar no Brasil 2.0 e que isso é importantíssimo para a democracia brasileira. Não é uma questão de consumo simplesmente, de inserção da classe C ou de novos grupos sociais no consumo de internet: isso é decisivo para a construção de uma nova democracia participativa. Claro que depende de muita mobilização, de ativismo, depende da construção de conceito de discurso, porque isso não é óbvio, basta a gente ver a demonização que está sendo feita pela grande mídia em relação ao WikiLeaks.
Voltando ao WikiLeaks. E como fica a política depois do WikiLeaks?
I.B. – O WikiLeaks é o prenúncio de uma necessidade de uma governança global, é um prenúncio do que chamamos de democracia participativa global, de uma articulação, de uma sociedade civil transnacional, de facilitar o compartilhamento de conhecimentos, bens culturais, opiniões dessa forma transnacional. Até que ponto as instituições e os poderes podem estar acima da ideia de liberdade de comunicação, informação e expressão? A própria ideia das alianças, com quem os governos se relacionam em termos de poderes, o mapa dos poderes. Quando o mapa dos poderes fica explicitado através dessas informações sigilosas, começamos a traçar novos mapas. A relação dos Estados Unidos com alguns países da Europa, da América, da Ásia, da Oceania, da África que são os seus satélites informacionais, você vê que tem uma rede de informações, de relações de poder, ou seja, de geopolíticas que ficam claras na forma como essas informações aparecem.
Isso tudo, de certa maneira, reforça os movimentos que já apontam em relação a esse tipo de comunicação. Na política muda tudo, mas tudo depende de mudanças locais, de mudanças em cada um desses países, da construção de uma articulação de sociedade civil transnacional. Então, depende de uma série de outros movimentos. Não podemos esperar mudanças rápidas. Claro que o WikiLeaks foi um choque global dentro da relação de se lidar com a informação. Isso produz mudanças, mas essas mudanças ainda estão sendo digeridas, entendidas, analisadas em cada país, pelos governos e pela própria sociedade civil. Talvez de novos entendimentos do que é essa sociedade civil transnacional que está se articulando através de formas novas como o próprio WikiLeaks e outros bancos de dados globais sejam construídas. Mas, sem dúvida, que essa relação de liberdade, transparência, democracia, o equilíbrio entre esses conceitos, esses campos, se alteram.
O WikiLeaks produziu um grande desequilíbrio, uma crise no que se considerava dado em termos da gestão da própria informação. Nós temos que não só esperar por mudanças, mas radicalizar essas mudanças e entender o que nesse acontecimento todo desses documentos vazados nos interessam, interessam para o nosso ativismo, interessam para trabalharmos com essas ideias que são mais amplas e que vão sendo construídas em longo prazo.
Por IHU Online
Observatório da Imprensa