quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

The Economist: Brasil se tornará sétima maior economia em 2011

Na edição especial “O mundo em 2011”, a revista semanal inglesa “The Economist”, projeta que o Brasil se tornará a sétima maior economia do planeta este ano, com Produto Interno Bruto (PIB) superior a US$ 2 tri de dólares.

Em 2002, o PIB brasileiro era de US$ 450 bilhões, o que garantia a 12ª posição no ranking das maiores economias do planeta, atrás de países como Coréia do Sul, México, Espanha, Canadá e Itália. Nações que, de acordo com a publicação britânica, serão deixadas para trás em 2011 pela economia nacional.

Atualmente, o Brasil já é a oitava maior economia global e teve PIB acima de US$ 1,9 tri em 2010. Para que salte para a sétima posição, será necessário desbancar a economia italiana, que nunca antes foi menor do que a brasileira. É é isso que acontecerá nos próximos 11 meses, segundo os analistas ingleses. Para eles, o PIB italiano não deve passar de R$ 1,8 tri neste período. Confira:
Ranking The Economist das maiores economias em 2011

1. Estados Unidos – US$ 14,996 tri
2. China – US$ 6,460 tri
3. Japão – US$ 5,621 tri
4. Alemanha – US$ 3,127 tri
5. França – US$ 2,490 tri
6. Reino Unido – US$ 2,403 tri
7. Brasil – US$ 2,052 tri
8. Itália – US$ 1,888 tri
9. Índia – US$ 1,832 tri
10. Rússia – US$ 1,737 tri
11. Canadá – US$ 1,616 tri
12. Espanha – US$ 1,337 tri
13. Austrália – US$ 1,190 tri
14. México – US$ 1,119 tri
15. Coreia do Sul – US$ 1,094 tri

O Goldman Sachs, um dos maiores bancos de investimento do mundo, prevê que, uma vez que está em rápido desenvolvimento, o Brasil pode ser a quarta economia mundial em 2050, perdendo apenas para Índia (3ª), Estados Unidos (2ª) e China (1ª).

Brasília Confidencial

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Após recorde, efetivação de temporários indica que nível de emprego segue firme

Depois de um ano recorde de contratações, que terminou com um saldo de 2,5 milhões de postos de trabalho com carteira assinada, a perspectiva é de que o emprego continue firme em 2011, especialmente na indústria.

Só a Zona Franca de Manaus, que reúne a maioria dos fabricantes de eletroeletrônicos e motocicletas, além de produtos químicos, vai efetivar cerca de 7 mil trabalhadores temporários. Eles foram contratados a partir de outubro para incrementar a produção de fim de ano.

“Até o fim deste mês, 80% dos trabalhadores temporários serão aproveitados. No ano passado, foram efetivados perto de 5 mil trabalhadores e o índice de aproveitamento de temporários foi bem menor, entre 40% e 50%”, afirma o presidente do Sindicato das Indústrias de Aparelhos Eletroeletrônicos de Manaus, Wilson Périco.

O empresário explica que a maioria dos trabalhadores temporários que serão efetivados está no setor eletroeletrônico e que o aumento do emprego reflete a demanda “bastante aquecida” neste início de ano, especialmente por televisores. “Como as vendas de Natal superaram as expectativas, os estoques de produtos acabados caíram no varejo e agora estão sendo repostos.”

Pelo segundo ano consecutivo, a coreana Samsung vai contratar a totalidade dos trabalhadores temporários, conta o vice-presidente de Novos Negócios da empresa, Benjamin Sicsú. São perto de 800 trabalhadores que serão efetivados. O executivo pondera que nem sempre é o mesmo trabalhador que vai ocupar a vaga, por questões de qualificação e perfil. Mas o total dos postos temporários será transformado em empregos efetivos.

O aumento das contratações com carteira assinada na Samsung neste início de ano resulta, segundo Sicsú, da combinação de três fatores: as novas linhas de produção implantadas em Manaus (aparelhos de ar-condicionado, tela de LCD e celular), aumento da participação de mercado e verticalização da produção. “Neste ano, vamos começar a fazer a injeção dos gabinetes das TVs na fábrica”, conta Sicsú.

“O início de ano está forte e poderemos repetir a venda de 11 milhões de TVs”, diz Lourival Kiçula, presidente da Eletros, que reúne as indústrias do setor.

Sondagem da indústria de transformação da FGV, com cerca de mil empresas de vários setores, aponta que 31% das indústrias planejam contratar no trimestre dezembro/fevereiro e 5,7%, demitir. Em novembro, os indicadores eram 28,6% e 7,8%, respectivamente.

Consumo. Pesquisa de intenção de compra de bens duráveis para este trimestre, feita pelo Provar com a Felisoni Consultores, revela que 71,80% dos cerca de 500 entrevistados em São Paulo pretendem ir às compras até março. E o produto líder é o eletroeletrônico (12,4%), seguido por material de construção (10,2%). A intenção de compras para este trimestre é menor ante o mesmo período de 2010, quando 77,2% declararam que comprariam. “O resultado deste ano é menor que em 2010, mas ainda assim será um início de ano muito bom”, afirma Claudio Felisoni, responsável pela pesquisa.

Por Márcia De Chiara – O Estadode São Paulo

Wikileaks, Batman & Robin e o Coringa

Boas maneiras na era do Wikileaks

Em um dos documentos diplomáticos publicados no WikiLeaks, compara-se Putin e Medvedev com Batman e Robin. É uma analogia útil: não seria o organizador do WikiLeaks um análogo real do Coringa em O Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan? No filme, o promotor Harvey Dent, um vigilante obsessivo e corrupto que comete seus próprios crimes, é morto pelo Batman. Logo, Batman e o comissário Gordon se dão conta que a moral pública da cidade iria se ressentir se os assassinatos cometidos por Dent se tornassem públicos, preferindo então, para preservar a imagem do policial assassino, responsabilizar o Batman pelas mortes. A mensagem do filme consiste em dizer que mentir é necessário para a manutenção da moral pública: somente uma mentira irá nos redimir.

Não é surpresa que a única figura verdadeira do filme seja o Coringa, o grande vilão. Ele deixa claro que seus ataques a Gotham City terminarão quando Batman retire a máscara e revele sua verdadeira identidade; para evitar a revelação e proteger Batman, Harvey Dent declara à imprensa ser ele o Batman – outra mentira. Para capturar o Coringa, o comissário Gordon finge sua própria morte – mais uma mentira. O Coringa quer revelar a verdade escondida debaixo da máscara, convencido de que isso destruirá a ordem social. Como deveríamos chamá-lo? Terrorista? O Cavaleiro das Trevas é efetivamente uma nova versão dos westerns clássicos, Forte Apache e O Homem que Matou o Facínora, que mostram que para civilizar o selvagem oeste a mentira tem que ser elevada a verdade: a civilização, em outras palavras, deve ser fundada em uma mentira. O filme tornou-se extraordinariamente popular. A pergunta é: por que, neste preciso momento, existe uma renovada necessidade de uma mentira para manter o sistema social?

Consideremos também a nova popularidade de Leo Strauss: o aspecto de seu pensamento político que é tão transcendente hoje em dia é sua noção elitista de democracia, a ideia da “mentira necessária”. As elites devem governar conscientes da atual situação (a lógica materialista do poder) e alimentar as fábulas de toda a gente de maneira a mantê-la contente em sua bendita ignorância. Para Strauss, Sócrates era culpado maquilo que lhe acusavam: a filosofia é uma ameaça para a sociedade. Questionar os deuses e a ética da cidade somente pode prejudicar a lealdade dos cidadãos e, portanto, a base de uma vida social normal. Ainda assim, a filosofia é a mais elevada, a mais valiosa das atividades humanas. A solução proposta foi que filósofos mantivessem em sigilo seus ensinamentos, como de certo fizeram, passando-as a diante somente nas entrelinhas. A verdadeira e escondida mensagem contida na “grande tradição” da filosofia desde Platão até Hobbes e Locke é que não há deus ou deuses, que a moral é meramente um prejuízo e que a sociedade não se fundamenta na natureza. Até agora a história do WikiLeaks tem sido apresentada como uma batalha entre WikiLeaks e o império estadunidense. Seria a publicação de documentos de Estado confidenciais dos Estados Unidos um ato de apoio, do direito do público ao conhecimento destes documentos, ou é um ato terrorista que se postula como uma ameaça às relações internacionais estáveis? Ou então o que será, se isto não é tudo? O que está acontecendo na crucial batalha ideológica e política que reverbera até dentro do próprio WikiLeaks: entre o ato radical de publicar documentos secretos de Estado e a forma com que este ato está sendo absorvido pelo campo ideológico-político hegemônico e, entre outros, pelo próprio WikiLeaks?

A absorção não necessariamente alude a um “complô corporativo” – por exemplo, o negócio fechado pelo WikiLeaks com cinco grandes jornais, seletivamente cedendo o direito exclusivo à publicação dos documentos. Mais importante ainda é a formação conspirativa do WikiLeaks: um grupo secreto do “bem” ataca outro grupo secreto do “mal”, o segundo sendo o Departamento de Estados dos Estados Unidos. De acordo com esta maneira de enxergar as coisas, os inimigos são os diplomatas estadunidenses que ocultam a verdade, manipulam o público e humilham seus aliados na implacável busca por alcançar seus próprios interesses. O grupo do mal, no topo, detém o “poder”, e isso não é concebido como algo que afeta todo o corpo social, determinando o modo como trabalhamos, pensamos e consumimos. O WikiLeaks sentiu por si mesmo o gosto desta “dispersão” de poder quando a Mastercard, Visa, PayPal e o Banco da América uniram forças com o Estado para sabotá-lo. O preço pago por intrometer-se em questões conspirativas é ser tratado de acordo com a lógica destas questões (Não é surpreendente que existam muitas teorias acerca de quem está, de fato, por trás do WikiLeaks – a CIA?).

Estas questões conspirativas se complementam com seu oposto aparente, a apropriação liberal do WikiLeaks como se fosse outro capítulo da história gloriosa da luta pelo “livre fluir da ‘informação’ e o direito dos ‘cidadãos’ a saber”. Esta perspectiva reduz o WikiLeaks a um caso radical de “jornalismo investigativo”. Aqui, estamos a um pequeno passo da ideologia dos sucessos de bilheteria de Hollywood como Todos os Homens do Presidente e Dossiê Pelicano, nas quais um par de homens comuns descobre um escândalo que pode atingir o mais alto, porém, a ideologia de tais trabalhos reside em sua alegre moral: que grande país deve ser este nosso, em que sujeitos comuns como você e eu podemos destituir o presidente, o homem mais poderoso do mundo!

A última demonstração de poder por parte da ideologia dominante é permitir o que parece ser uma vigorosa crítica. Não falta anticapitalismo hoje em dia. Estamos sobrecarregados de críticas sobre os horrores do capitalismo: livros, jornalismo investigativo e documentários de televisão que expõem companhias que estão contaminando sem pudores o nosso meio ambiente, os banqueiros corruptos que seguem recebendo volumosos bônus enquanto seus bancos são resgatados da crise pelo dinheiro público, fábricas exploradoras nas quais crianças trabalham como escravos etc. Mas existe uma pegadinha: o que não se questiona nestas críticas é o marco liberal democrático da luta contra estes excessos. O objetivo, implícito ou explícito, é democratizar o capitalismo, estender o controle democrático à economia através da pressão da mídia, dos informes parlamentares, leis mais duras, investigações policias honestas e por aí segue. Contudo, a composição institucional do Estado democrático (burguês) nunca é questionada. Esta situação permanece sacrossanta mesmo nas formas mais radicais de “anticapitalismo ético” (O Fórum de Porto Alegre, o movimento de Seattle, etc.)

O WikiLeaks não pode ser visto da mesma maneira. Desde o princípio existiu algo em suas atividades que ia mais além do que as concepções liberais do livre fluir da informação. Não deveriamos buscar estes excessos no que diz respeito ao conteúdo. A única coisa surpreendente sobre as revelações do WikiLeaks é que ali não reside nenhuma surpresa. Não sabiamos exatamente aquilo que vimos nos documentos? A preocupação real esteve no nível das aparências: já não podemos fazer de conta que não sabemos o que todo o mundo já está ciente de que sabemos. Este é o paradoxo do espaço público: ainda que todo o mundo tenha conhecimento de um feito desagradável, dizê-lo em público muda tudo. Uma das primeiras medidas tomadas pelo governo bolchevique em 1918 foi tornar público toda a composição da diplomacia secreta czarista, todos os acordos secretos, as cláusulas secretas dos acordos públicos etc. Ali, também o sigilo de informações foi o funcionamento total dos aparatos de Estado do poder.

Aquilo que o WikiLeaks ameaça é o funcionamento formal do poder. Os verdadeiros choques não foram os de detalhes sujos e indivíduos responsáveis por eles, nem os que estão de fato no poder. Em outras palavras, foi o poder por si próprio, sua estrutura. Não deveríamos esquecer que o poder não compreende só instituições e suas regras, senão também as formas legítimas (“normais”) de desafiá-lo (a imprensa independente, ONGs etc.) – que como o acadêmico indiano Saroj Giri postula, “[WikiLeaks] desafiou o poder desafiando também os canais normais para desafiar o poder e revelar a verdade”. O objetivo das revelações do WikiLeaks não só foi o de envergonhar os que estão no poder, senão também o de liderarmos uma auto-mobilização para produzir um funcionamento diferente do poder que possa ir além dos limites da democracia representativa.

De todos os modos, é um erro assumir que revelar em sua totalidade aquilo que era secreto vai nos fazer livres. Esta premissa é equivocada. A verdade liberta, sim, mas não esta verdade. É óbvio, alguém pode realmente confiar na fachada, nos documentos oficiais, mas tampouco encontraremos a verdade nas fofocas compartilhadas nos bastidores. A aparência, o perfil público nunca é uma simples hipocrisia. Edgar L. Doctorow uma vez disse que as aparências são tudo o que temos, de maneira que devemos tratá-las com grande estima. Muitas vezes foi dito que a privacidade está desaparecendo, que os segredos mais íntimos estão abertos ao público. Porém, a realidade é o oposto: o que efetivamente está desaparecendo é o espaço público, com sua acompanhante dignidade. Abundam em nossas vidas casos de quando não colocar tudo às claras é o mais apropriado a se fazer. Em Baisers Volés, Delphine Seyrig explica a sua jovem amante a diferença entre a cortesia e tato: “Imagine que distraidamente você entre num banheiro no qual uma mulher está nua tomando banho. A cortesia requer que você rapidamente feche a porta e diga ‘Perdão, Senhora! ’, enquanto que o tato requer que você feche a porta de imediato e diga ‘Perdão, Senhor! ’. Somente no segundo caso, fingindo que não se viu o suficiente para determinar o sexo da pessoa que está no banho, existe um tato verdadeiro.

Um caso supremo de tato em política foi a reunião secreta entre Alberto Cunhal, o líder do Partido Comunista Português, e Ernesto Melo Antunes, membro do grupo pro-democrático das forças armadas responsáveis pelo golpe que acarretou na derrocada do regime de Salazar em 1974. A situação era extremamente tensa: de um lado, o Partido Comunista estava pronto para iniciar um processo revolucionário socialista real, tomando fábricas e terras (já haviam sido distribuidas armas ao povo); do outro lado, os conservadores e liberais estavam prontos a impedir a revolução pelos meios que fossem necesarios, incluindo a intervenção das forças armadas. Antunes e Cunhal selaram um trato sem declará-lo: não havia acordo entre eles – o que aparecia entre eles eram somente discordâncias – mas saíram da reunião com um pacto pelo qual os comunistas se comprometiam a não fazer a revolução, permitindo assim que um estado democrático “normal” se desenvolvesse, e assim os militares antisocialistas não colocariam o Partido Comunista na ilegalidade, mas sim o aceitariam como um elemento chave no processo democrático. Poder-se-ia argumentar que esta discreta reunião salvou Portugal de uma guerra civil. E seus participantes mantiveram a discrição retrospectivamente. Quando foram questionados sobre a reunião (um jornalista amigo meu), Cunhal disse que confirmaria o acontecido somente se Antunes não o negasse – caso ele o fizesse, diria que aquilo nunca ocorrera. Antunes, por sua vez, escutou silenciosamente enguanto meu amigo lhe transmitia as condições de Cunhal. Deste modo, sem negar o ocorrido, Antunes consentiu às exigencias de Cunhal e implicitamente confirmou a existência da reunião. É desta forma que os cavalheiros da esquerda atuam na política.

Ainda que alguém possa reconstituir os eventos hoje em dia, parece que o feliz resultado da crise dos mísseis em Cuba também foi gerenciá-la com tato, os rituais corteses da ignorância fingida. A jogada genial de Kennedy foi fingir que uma carta não tinha cegado, um estratagema que funcionou porque o remetente (Krushchev) deu corda ao jogo. Em 26 de outubro de 1962, Krushchev mandou uma carta a Kennedy confirmando uma oferta previamente feita por intermediários: a União Soviética retiraria seus mísseis de Cuba se os Estados Unidos garantissem que não invadiriam a ilha. No dia seguinte, ainda, chegou outra carta mais exigente de Krushchev, colocando mais condições. Às 20h05 deste dia, Kennedy mandou sua desposta a Krushchev. O presidente dos Estados Unidos aceitou a proposta do dia 26 de outubro, fingindo que a carta do dia 27 nunca existiu. Em 28 de outubro, Kennedy recebeu uma terceira carta de Krushchev na qual ele aceitava o trato. Nesses momentos em que muito estava em jogo, as aparências, a cortesia, a consciência de que o outro “está jogando um jogo” é mais importante do que nunca.

No entanto, este é só um lado – enganoso – do conto. Existem momentos – momentos de crises da hegemonia do discurso – em que se deve correr o risco de provocar a desintegração das aparências. Tal momento foi descrito pelo jovem Marx em 1843. Em Contribuição a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel ele diagnosticou a deterioração do antigo regime alemão dos anos de 1830 e 1840 como uma repetição farsesca da queda trágica do antigo regime francês. O regime francês foi trágico, “em tanto acreditou e teve que acreditar na sua própria justificação”. O regime alemão “só se imagina que acredita em si mesmo e exige que o mundo acredite no mesmo. Se acredito na sua própria essência, poderia… buscar refúgio na hipocrisia e nos sofismas? O antigo regime moderno é somente o comediante de uma ordem mundial cujos verdadeiros heróis estão mortos”. Em tal situação, a vergonha é uma arma: “A pressão real deve fazer-se mais intensa quando se soma a ela a consciência de pressão, a vergonha deve ser mais vergonhosa quando tornada pública”.

Esta é precisamente a situação dos dias de hojes: enfrentamos o cinismo desavergonhado de uma ordem global cujos agentes só imaginam que acreditam nas ideias de democracia, direitos humanos e coisas do gênero. Por medo de ações como as revelações do WikiLeaks, a vergonha – a vergonha por tolerar tal poder sobre nós – se faz mais vergonhosa quando tornada pública. Quando os Estados Unidos intervêm no Iraque para impulsionar a democracia secular e o resultado é o fortalecimento do fundamentalismo religioso e um Irã muito mais forte, esta não é a falha trágica de um agente sincero, senão o caso de um piadista cínico derrotado em seu próprio jogo.

Publicado por Rebelion. Tradução de Cainã Vidor

Por Slavoj Žižek

Oito calúnias sobre a WikiLeaks

A tendência da comunicação social empresarial de difundir informações falsas e notícias fabricadas tem sido particularmente notória na cobertura da WikiLeaks. Como Glenn Greenwald tem defendido, as principais agências de notícias têm divulgado repetidas difamações e falsidades sobre o sítio de fugas de informação e o seu fundador Julian Assange, ajudando a perpetuar uma série de “mentiras imbecis” – falsos conceitos que se recusam a morrer por mais que entrem em conflito com a realidade conhecida, a lógica básica e informação bem divulgada.

Aqui estão as falsas narrativas que continuam a aparecer nos jornais e na rádio.

1. Fomentar campanhas de alarmismo afirmando que as revelações da WikiLeaks irão provocar mortes. Até ao momento não há evidência de que as revelações da WikiLeaks tenham custado vidas. De fato, mesmo antes de os telegramas terem sido revelados, funcionários do Pentágono admitiram não haver casos documentados de mortes causadas pela informação exposta por divulgações anteriores de documentos da WikiLeaks (e ao contrário dos telegramas diplomáticos, os ficheiros do Afeganistão não estavam editados).

Não quer dizer que a exposição dos ficheiros secretos do governo não possa de alguma forma levar a que alguém, em algum lugar, seja um dia magoado. Mas isto é ir longe de mais, especialmente por parte de um governo envolvido em múltiplas operações militares – muitas das quais secretas – que levam a um número incontável de vitimas civis.

2. Espalhar a mentira que a WikiLeaks divulgou todos os telegramas. A WikiLeaks divulgou menos de 2.000 dos 251.287 telegramas na sua posse. Divulgou aqueles documentos em conjunto com as mais importantes agências de notícias, incluindo o Guardian, El País e Le Monde, e utilizou a maioria das redações desses jornais para proteger as identidades de pessoas cujas vidas poderiam ser ameaçadas pela exposição. A AP detalhou este processo num artigo em 3 de Dezembro, mas isto não impediu que funcionários e analistas afirmassem que a WikiLeaks tinha colocado todos os telegramas “indiscriminadamente” na Internet. Muita da comunicação social repetiu a afirmação sem pensar.

Greenwald e outros têm lutado para acabar com o mito de que o sítio de fugas de informção divulgou todos os telegramas sem tomar quaisquer precauções para proteger as pessoas, mas este mito continua. Ainda esta semana a NPR emitiu um pedido de desculpas por todas as vezes que os colaboradores e convidados sugeriram ou expressaram abertamente ser uma calúnia que a WikiLeaks tenha colocado cegamente todos os telegramas de uma só vez.

3. Afirmar falsamente que Assange cometeu um crime no que diz respeito à WikiLeaks.

O Departamento de Estado tem trabalhado arduamente para incriminar Julian Assange. O problema é que até agora não parece que ele tenha infringido qualquer lei. Assange não é um cidadão dos Estados Unidos, não trabalha para o governo dos Estados Unidos e os documentos da WikiLeaks divulgados foram obtidos por outra pessoa. Conforme Greenwald tem sublinhado repetidamente, não é proibido publicar informações secretas do governo dos Estados Unidos. Se assim fosse, centenas de jornalistas estariam agora na prisão.

Enquanto o governo tenta evocar uma justificação legal para processar Assange, a comunicação social está a ajudar, estimulando a afirmação que ele é uma mente criminosa. Importantes meios de comunicação continuam a acolher convidados que acusam Assange de comportamento criminoso sem especificar de que crime se trata. Num debate bastante ridicularizado na CNN entre o Conselheiro da Segurança Interna de Bush Fran Townsend e Glenn Greenwald, moderado por Jessica Yellin, Greenwald teve que repetidamente rebater a afirmação de que Assange “lucrou” com atos “criminosos”.

O esforço para classificar Assange como um criminoso – liderado pelos membros do governo e ajudado pela comunicação social – pode ter um efeito perturbador sobre futuros autores de fugas de informação.

4. Negar que a WikiLeaks é uma empresa jornalística. Autoridadese especialistas continuam a afirmar que a WikiLeaks não é uma fonte jornalística, ainda que tenha conseguido o mais importante furo jornalístico de uma década. Mas muito do que a WikiLeaks faz é idêntico às actividades de outras fontes de notícias. A WikiLeaks recebe informações secretas de fontes anónimas, que depois revela ao público – as notícias não são mais do que um sistema de controlo e equilíbrio para o governo, um direito fundamental de liberdade de imprensa. A seguir, trata essas informações secretas antes de as divulgar – um jornalista ao seleccionar material relevante e adequado de um documento confidencial não é diferente da WikiLeaks, ao editar certos excertos dos telegramas.

Como as ações da WikiLeaks estão de acordo com a Primeira Emenda, todos os jornalistas deveriam ficar indignados com as tentativas de acusação do governo americano. Se a WikiLeaks for processada por gerir uma empresa jornalística, que direitos irão ser retirados aos jornalistas no futuro? A denúncia vem de uma das mais respeitadas instituições jornalísticas do mundo, a Columbia University Graduate School of Journalism. No início deste mês, 20 membros da faculdade elaboraram e assinaram uma carta ao Presidente Obama e ao Procurador-geral Eric Holder dizendo que ao processar a WikiLeaks o governo irá abrir “perigosos precedente aos repórteres de qualquer publicação ou meio de comunicação social, amedrontando potencialmente o jornalismo de investigação e outras actividades protegidas pela Primeira Emenda… Processar o caso WikiLeaks irá prejudicar grandemente os americanos participantes em debates na imprensa livre em todo o mundo e desencorajar os jornalistas que procuram este país para inspiração.

A Fundação Walkley, uma instituição de jornalismo no país de Assange, a Austrália, coloca este assunto mais sucintamente na sua própria carta de apoio à WikiLeaks: “Tentar fechar a WikiLeaks agressivamente, ameaçar processar aqueles que publicam fugas de informação oficiais, e pressionar empresas a deixarem de negociar com a WikiLeaks, é uma séria ameaça à democracia, que se baseia numa imprensa livre e sem medo”.

5. Negar uma ligação entre os Documentos do Pentágono deEllsberge a WikiLeaks, apesar do apoio de Ellsberg ao site. Em 1969, Daniel Ellsberg fotocopiou secretamente documentos secretos que provavam que a administração Johnson tinha mentido ao povo americano sobre as hipóteses de ganhar a guerra do Vietname, que sabia desde o início serem quase nulas. Em 1970, Ellsberg ficou desiludido com a situação desesperada e começou a fazer circular os documentos, primeiro aos senadores dos Estados Unidos, depois ao New York Times, que divulgou o conteúdo numa inovadora série de artigos que pôs em marcha o fim à guerra… e à administração Nixon. Ao proceder desta forma, ajudou a acabar com uma guerra injusta realizada em nome do povo americano. As suas ações foram amplamente aplaudidas.

Num cenário paralelo, a WikiLeaks está a fazer a parte do Times e de outros meios de comunicação que relataram os Documentos do Pentágono – divulgando informações de ações secretas, e em muitos casos, injustas efectuadas em nome do povo americano sem o nosso conhecimento. O alegado delator Bradley Manning é Ellsberg nesta situação; semelhantemente, se as conversas entre ele próprio e Adrian Lamo impressas na Wired forem verdadeiras, ele divulgou os telegramas com um esmagador sentido de justiça, dizendo, “eu quero que as pessoas, sejam elas quem forem, vejam a verdade, porque sem informação, como público, não se podem tomar decisões informadas.

No início deste mês, Ellsberg apareceu no Colbert Report e elogiou Manning. “Se Bradley Manning fez aquilo de que é acusado, então ele é o meu herói e eu acho que ele prestou um grande serviço a este país” disse Ellsberg. “Esta confusão em que nos encontramos, no mundo, não é por causa de demasiadas fugas de informação… embora diga que devem existir alguns segredos. Mas também digo que invadimos o Iraque ilegalmente porque nos faltou um Bradley Manning na altura.”

6. Acusar Assange de lucrar com a WikiLeaks. Os jornais divulgaram a notícia que Assange assinou um contrato lucrativo de um livro, informação que inspirou as principais fontes de informação como a CNN a ridicularizar Assange por “lucrar” com os telegramas apesar da sua ideologia anti-empresarial. Na entrevista mencionada acima, Yessica Yellin perguntou a Glenn Greenwald se tinha “Alguns dúvidas sobre o fato de ele estar a lucrar essencialmente com a fuga de informação.” Greenwald assinalou que Assange quase não lucra com esse material, mas tenta coborir os ganhos legais acrescidos, já que todos os governos do mundo estão atrás dele. Greenwald também assinalou que tentar ganhar dinheiro com o jornalismo é pura rotina na profissão. Bob Woodward, por exemplo, escreveu vários livros baseados em documentos secretos.

7. Chamar terrorista a Assange. A semana passada o Vice-presidente Joe Biden, que faz parte de uma administração que supervisiona a escalada da desastrosa guerra no Afeganistão, juntou-se a Mitch McConnel e a Sarah Pallin ao chamar “terrorista” a Assange.

Tanto quanto sabemos, as fugas de Assange não mataram ninguém. Nem sequer ele tentou perpetrar violência para promover uma agenda política, a definição de terrorismo. No entanto os membros do governo continuam a tentar vincular Assange ao terrorismo na consciência do público.

8 Minimizar a importância dos telegramas. Embora só uma pequena fração dos telegramas tenha sido divulgada, muitos críticos promoveram a ideia de que eles não revelaram “nada de novo” e portanto não têm qualquer valor. Mas mesmo os telegramas divulgados até ao momento continham revelações importantes sobre os Estados Unidos e seus aliados.

Aqui estão algumas das histórias divulgadas pelos documentos:

– Forças Especiais dos Estados Unidos trabalham dentro do Paquistão

– A Inglaterra concordou proteger interesses dos Estados Unidos nas provas do Iraque

– Bombardeamentos secretos do Iémen

– O papel do Departamento de Estado no golpe de estado das Honduras

– Estados Unidos pressionaram a Espanha a ignorar as provas da tortura de Bush

– Os Estados Unidos procuraram retaliar contra a Europa por se recusar a permitir as culturas geneticamente modificadas da Monsanto.

– ADrug Enforcement Agency torna-se global, para além das drogas

– Aperto da Shell sobre o estado da Nigéria

A promessa de que a próxima divulgação irá atingir um banco dos Estados Unidos, e que irá ter um efeito semelhante às divulgações da Enron, segundo Assange, certamente prenuncia um tesouro de informações sem precedentes que poderá ser explosivo. E isso é incrivelmente valioso para o povo americano.

Tradução de Noémia Oliveira para o Esquerda.net

Esquerda.net

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