segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

O preço de não escutar a natureza

O cataclisma ambiental, social e humano que se abateu sobre as três cidades serranas do Estado do Rio de Janeiro, Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo, na segunda semana de janeiro, com centenas de mortos, destruição de regiões inteiras e um incomensurável sofrimento dos que perderam familiares, casas e todos os haveres tem como causa mais imediata as chuvas torrenciais, próprias do verão, a configuração geofísica das montanhas, com pouca capa de solo sobre o qual cresce exuberante floresta subtropical, assentada sobre imensas rochas lisas que por causa da infiltração das águas e o peso da vegetação provocam frequentemente deslizamentos fatais. Culpam-se pessoas que ocuparam áreas de risco, incriminam-se políticos corruptos que destribuíram terrenos perigosos a pobres, critica-se o poder público que se mostrou leniente e não fez obras de prevenção, por não serem visíveis e não angariarem votos. Nisso tudo há muita verdade. Mas nisso não reside a causa principal desta tragédia avassaladora. A causa principal deriva do modo como costumamos tratar a natureza. Ela é generosa para conosco pois nos oferece tudo o que precisamos para viver. Mas nós, em contrapartida, a consideramos como um objeto qualquer, entregue ao nosso bel-prazer, sem nenhum sentido de responsabilidade pela sua preservação nem lhe damos alguma retribuição. Ao contrario, tratamo-la com violência, depredamo-la, arrancando tudo o que podemos dela para nosso benefício. E ainda a transformamos numa imensa lixeira de nossos dejetos.

Pior ainda: nós não conhecemos sua natureza e sua história. Somos analfabetos e ignorantes da história que se realizou nos nossos lugares no percurso de milhares e milhares de anos. Não nos preocupamos em conhecer a flora e a fauna, as montanhas, os rios, as paisagens, as pessoas significativas que ai viveram, artistas, poetas, governantes, sábios e construtores.

Somos, em grande parte, ainda devedores do espírito científico moderno que identifica a realidade com seus aspectos meramente materiais e mecanicistas sem incluir nela, a vida, a consciência e a comunhão íntima com as coisas que os poetas, músicos e artistas nos evocam em suas magníficas obras. O universo e a natureza possuem história. Ela está sendo contada pelas estrelas, pela Terra, pelo afloramento e elevação das montanhas, pelos animais, pelas florestas e pelos rios. Nossa tarefa é saber escutar e interpretar as mensagens que eles nos mandam. Os povos originários sabiam captar cada movimento das nuvens, o sentido dos ventos e sabiam quando vinham ou não trombas d'água. Chico Mendes com quem participei de longas penetrações na floresta amazônica do Acre sabia interpretar cada ruído da selva, ler sinais da passagem de onças nas folhas do chão e, com o ouvido colado ao chão, sabia a direção em que ia a manada de perigosos porcos selvagens. Nós desaprendemos tudo isso. Com o recurso das ciências lemos a história inscrita nas camadas de cada ser. Mas esse conhecimento não entrou nos currículos escolares nem se transformou em cultura geral. Antes, virou técnica para dominar a natureza e acumular.

No caso das cidades serranas: é natural que haja chuvas torrenciais no verão. Sempre podem ocorrer desmoronamentos de encostas. Sabemos que já se instalou o aquecimento global que torna os eventos extremos mais freqüentes e mais densos. Conhecemos os vales profundos e os riachos que correm neles. Mas não escutamos a mensagem que eles nos enviam que é: não construir casas nas encostas; não morar perto do rio e preservar zelosamente a mata ciliar. O rio possui dois leitos: um normal, menor, pelo qual fluem as águas correntes e outro maior que dá vazão às grandes águas das chuvas torrenciais. Nesta parte não se pode construir e morar.

Estamos pagando alto preço pelo nosso descaso e pela dizimação da mata atlântica que equilibrava o regime das chuvas. O que se impõe agora é escutar a natureza e fazer obras preventivas que respeitem o modo de ser de cada encosta, de cada vale e de cada rio.

Só controlamos a natureza na medida em que lhe obedecemos e soubermos escutar suas mensagens e ler seus sinais. Caso contrário teremos que contar com tragédias fatais evitáveis.

Por Leonardo Boff do Adital

Mestres do ódio carregado e engatilhado

Há uma ligação direta entre os tiros contra a deputada Gabrielle Giffords do Arizona, as ameaças contra Julian Assange e o nono aniversário da infame prisão de Guantánamo. Por Pepe Escobar, Asia Times Online

Há uma aterrorizante conexão direta entre a retórica do ódio que arde como febre alta nos EUA, os tiros contra a deputada Gabrielle Giffords do Arizona, as ameaças de morte contra Julian Assange, fundador de WikiLeaks, e o nono aniversário da infame prisão em Guantánamo, Cuba. Essa conexão perturbadora deveria provocar calafrios na espinha, em quem tenha qualquer preocupação com direitos humanos, por remota que seja. Pois não provoca. Não, pelo menos, nos EUA.

Assange voltará ao tribunal em Londres dia 7 de Fevereiro para audiência de dois dias inteiros sobre a sua possível extradição para a Suécia, conectada ao ultra-nebuloso caso de camisinhas supostamente furadas e “sexo por surpresa”, co-estrelado por duas fans de Assange numa Estocolmo candente, em Agosto passado.

Os advogados de Assange entenderam rapidamente o xis da questão: se ele for extraditado para a Suécia, o governo dos EUA moverá céus e terra até conseguir extraditá-lo para os EUA. Nos EUA, Assange pode ser condenado à morte, ou à pena irmã-gémea dessa, nos termos da “guerra ao terror” – ser mandado para o limbo legal de Guantánamo. Para os EUA, o fato de que os tratados de direitos humanos proíbam extradição nessas condições é coisa de somenos.

Almas simplórias, bem-intencionadas, talvez lembrem que o presidente Barack Obama dos EUA prometeu fechar Guantánamo. Nunca fechará. O Congresso dos EUA matará qualquer possibilidade de transferir “combatentes inimigos” para a pátria-mãe, para que tenham julgamento adequado. A Casa Branca está pronta para condenar pelo menos 40 daqueles prisioneiros a permanecer para sempre em Guantánamo – sem acusação formalizada, sem julgamento, só um buraco negro. E Bagram, no Afeganistão, segue o mesmo caminho. Esqueçam a Constituição dos EUA e a lei internacional.

Os direitos humanos tiveram de aparecer como parte crucial da estratégia de defesa de Assange, em sete partes – porque uma possível extradição viola o Artigo 3 da Convenção Europeia sobre Direitos Humanos. Assim, os advogados de Assange, no sumário inicial de 35 páginas da sua estratégia, foram obrigados a chamar a atenção para a possibilidade real de Assange ser vítima de prisão ilegal, e para “o risco real de ser condenado a pena de morte. Sabe-se que figuras destacadas da cena pública nos EUA já declararam implicitamente, quando não explicitamente, que o Sr. Assange deve ser executado.”

Para que a ideia apareça com clareza para a opinião pública global, a própria WikiLeaks distribuiu um press release, no qual destaca o paralelo inevitável entre a retórica de “peguem Assange” (a ex-governadora do Alaska Sarah Palin diria “recarregue e atire”) e a narrativa dos mestres do ódio da direita, que culminou, até agora, nos tiros contra Giffords. Palin é citada, porque conclamou o governo Obama a “caçar esse chefe da WikiLeaks como os Taliban”.

A estrada à frente só aponta para a radicalização – enquanto o ódio supura, numa configuração que o próprio Assange resumiu como “Orwelliana”. Assim como os ataques contra a WikiLeaks são hoje mais fortes que nunca, assim também cresce o apoio global. E há muito mais a caminho. Até agora, só foram publicados 2.017 telegramas diplomáticos (nesse passo, o arquivo ainda não estará integralmente publicado no final da década). O próximo mega-alvo é o Banco da América. E há ainda preciosidades sobre a China, os EUA e, sim, Guantánamo.

Embora a parceria entre a WikiLeaks e algumas publicações da imprensa global pareça ter chegado a um ponto de equilíbrio em termos jornalísticos, estamos a um passo de guerra declarada entre os que defendem os média como – a palavra já diz tudo – instituição de mediação, e os que apoiam o ethos da WikiLeaks, de descarregar blocos de realidade, com mínima intervenção. Embora nada vença a informação bruta, é essencial alguma contextualização e alguma edição. E o leitor que compare e decida se prefere a versão crua ou as versões filtradas.

O que mais preocupa é o fato de que o ponto crucial do argumento da WikiLeaks – se há políticos e figuras de destaque dos média a promover o homicídio e a incitar ao crime, ele deveriam ser acusados e processados nos termos da lei – não está a ter qualquer ressonância nem nos EUA nem no resto do mundo. Inevitavelmente, como argumenta a WikiLeaks, se a organização continuar a ser estigmatizada como uma espécie de nova al-Qaeda, certamente acontecerão outras tragédias semelhantes à de Tucson, Arizona.

Não há evidência alguma de que os mestres do ódio nos EUA, que infestam o pântano do show mediático e político corram qualquer risco de serem punidos. Não há evidência alguma de que os líderes do Partido Republicano tomarão atitude pública contra a retórica “peguem, matem e arrebentem”. O massacre no Arizona, que matou seis pessoas e feriu 14, já está a ser desqualificado em bloco, pelos círculos da direita, como mais um ato isolado, de mais um dos doidos solitários de sempre.

Portanto, não há sinal algum de que o crescimento acelerado, gráfico, endémico, do fascismo na sociedade dos EUA esteja em vias de começar a ser enfrentado seriamente. Abandonai toda a esperança, vós que ansiais por debate adulto, sereno, racional na política dos EUA. Negócio lastimável, que o pensador político e historiador francês, Alexis de Tocqueville, previu há mais de um século e meio, em A Democracia na América.

Hoje é Giffords. Amanhã pode ser Assange. Mas o verdadeiro alvo somos todos nós.

Traduzido pelo Colectivo da Vila Vudu

Por esquerda.net

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