O pedreiro Domingos Ferreira de Sousa, 59 anos, e a mulher Luzia Prudêncio Sousa, 57, comemoram o sucesso dos filhos. “Não tive a oportunidade de estudar, mas estou realizado. Meus meninos se arranjaram na vida”, diz Domingos. Responsável pelo sustento da família, o patriarca sofreu para garantir a educação da prole. Como muitos migrantes, encontrou em Brasília a possibilidade de ascensão. Após concluir a 3ª série do ensino fundamental, iniciou a vida profissional como trabalhador rural no sertão do Piauí, mas foi na construção civil que ergueu o futuro. “Existiam muitas obras na cidade. Foi uma boa opção de emprego”, ressalta.
Quintino dos Santos Sousa, 24 anos, não seguiu os passos do pai, Domingos. Foi além. Com o diploma do ensino médio na mão, fez concurso para o metrô do DF e hoje é agente de estação metroviária. “Lá em casa, tínhamos que estudar. Essa era a única opção para subir na vida e meus pais sempre acreditaram nisso”, conta. Em 2007, ele ingressou na universidade, onde cursa administração. “Ainda pretendo fazer outro curso superior.” Os outros três filhos do casal também alcançaram um nível acima do atingido pelos pais. Na casa de Domingos, moram um estudante de arquitetura, uma professora e uma servidora pública.
A história da família Sousa está se tornando comum. Os filhos da classe C têm cada vez mais acesso à educação. Por causa disso, conseguem empregos que pagam salários melhores e formam a nova classe média emergente do país. Um estudo elaborado pelo instituto Data Popular mostra que, enquanto a moçada de 18 a 25 anos exerce funções como as de atendente em telemarketing e operador de caixa, os mais velhos, de 45 a 65 anos, trabalham, majoritariamente, como pedreiros, cozinheiros e domésticos, empregos que exigem menos qualificação.
Os dados comprovam também que, na classe C, 76% dos jovens trabalham. Nas A e B, o índice cai para 72%. Além disso, os novos emergentes se mostram com maior independência financeira: somente 16% recebem algum tipo de ajuda mensal dos pais. Para os representantes das classes A e B da mesma faixa etária, a mesada chega a 25% dos casos. O percentual de pessoas da classe C que concluíram o ensino fundamental saltou da geração anterior para a atual. O índice foi de 26% dos pais para 65% dos filhos. Cada ano de estudo, até o ensino superior, significa 15% a mais de rendimento.
A mudança atingiu o perfil de consumo da nova geração de trabalhadores. “Com a idade de Quintino, não imaginávamos ter micro-ondas, máquina de lavar e computador, o que nós temos hoje. Ele pode comprar coisas que sempre teve vontade, mas nós não podíamos dar”, comemora Luzia. Detentores de uma renda total de R$ 96,6 bilhões — mais que o dobro das classes A e B —, os jovens da classe C ganharam poder econômico. Com a renda maior que a dos pais, eles contribuem, em média, com 50% do orçamento familiar, contra apenas 10% dos moços e moças mais ricos. “Ele paga água, luz, telefone e ajuda com a alimentação. Isso dá quase metade das nossas contas”, completa Domingos.
O instituto destaca que o poder de compra dos jovens emergentes favorece a exploração, por parte das empresas, de segmentos como alimentação e vestuário. A indústria automobilística também tem boas oportunidades de negócio entre os jovens da classe C. Cerca de 4,8 milhões deles dizem estar interessados em adquirir um veículo e 4,5 milhões, em comprar uma motocicleta. A auxiliar de contabilidade Janaína Ribeiro Soares, 22 anos, filha da empregada doméstica Erinete Ribeiro de Sousa, 39, representa esse dado. “Depois que consegui um emprego, a primeira coisa que pensei foi em realizar o sonho de comprar um carro, o que não seria possível com a renda da minha mãe”, explica. Com a remuneração mensal, ela paga as parcelas da faculdade e do veículo.
Além do efeito positivo nas rendas familiares da classe C, a nova situação econômica teve impacto nas relações sociais. A analista de sistemas Roberta Gomes de Sá, 30 anos, filha da empregada doméstica Maria Florisa Gomes de Sá, 62, explica que sentiu uma diferença expressiva entre a forma com que era tratada antes e depois de ingressar em uma faculdade. “Antes, eu era a filha da empregada. Algumas pessoas se questionavam sobre como eu poderia fazer curso superior”, lamenta. “Não ser tratada assim foi uma consequência, mas não era meu principal objetivo. Eu não me envergonho da minha mãe. Pelo contrário, me orgulho de que ela tenha batalhado por mim.”
No passado, era comum os pais priorizarem o trabalho, como forma de contribuição nos gastos mensais. Agora, a educação é vista com bons olhos pela classe C — muitos consideram o estudo um investimento a longo prazo. A nova geração também tem notado a importância da especialização. Entre os entrevistados pelo Data Popular, 10% gastam parte do salário em cursos para aumentar a escolaridade e alcançar rendimentos ainda maiores. “Estou realizada com o sucesso da Janaína, mas ainda desejo mais”, confirma Erinete. A filha, que cursa o 4º semestre de ciências contábeis, paga a própria faculdade e pretende ir adiante nos estudos. “Devo fazer uma pós-graduação”, prevê.
Doutorado
A assistente social Sandra Teixeira, 30 anos, driblou as dificuldades e alcançou uma posição privilegiada. Filha do porteiro Gilvanez Teixeira, 58, e da dona de casa Ana Ferreira de Oliveira, 58, a jovem não se contentou com a graduação. Depois do mestrado, foi ao exterior para concluir o doutorado. “Ela acabou de chegar da França. Sempre foi muito estudiosa e está colhendo os frutos”, ressalta o pai. “No nosso tempo, isso era uma coisa muito distante, quase impossível.”
Teixeira fez alguns sacrifícios para que suas três filhas estudassem — manteve dois empregos durante muito tempo, assegurando que não faltassem os itens básicos de alimentação e higiene. “Temos de fazer algumas escolhas. Eu nunca deixei que elas trabalhassem enquanto estavam no ensino médio, para não atrapalhar”, diz. Mas quem cuidava das obrigações diárias era a mãe. “Ela que buscava os boletins e acompanhava nossas notas”, afirma Sandra.
A mais nova da casa, Silvia Teixeira, 25 anos, se inspira no exemplo da irmã. “Faço ciências contábeis e pretendo me especializar em condomínios. É uma área bastante promissora no DF”, constata. Para ela, a importância da educação não é apenas financeira. “É também uma satisfação pessoal. Uma maneira de mostrar que temos uma função na sociedade. Com o tempo, conseguimos enxergar isso.”
Participação
Pesquisa da Plano CDE revela que, em 10 anos, as famílias da classe C representarão 41% dos lares brasileiros. “Essa classe sustentará o crescimento do consumo no país”, observou Luciana Aguiar, sócia da consultoria. De 2002 a 2008, a participação dessa faixa na população saltou de 28% para 34%.
Por Larissa Garcia – Correio Braziliense
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